O beijo de Judas

Em meados da década de 1970 foi encontrado, numa localidade desértica nas proximidades da cidade do Cairo, no Egito, um manuscrito muito antigo. Esse achado foi vendido e passado de mão em mão até que uma senhora greco-egípcia a comprou e ofereceu à comunidade científica.

Quase 30 anos depois de encontrado, o documento, muito deteriorado, mostrou-se uma verdadeira relíquia: comprovou-se a idade do pergaminho e da tinta usada – datavam do século 2 a 3 da era cristã – e, mais que isso, ofereceu uma polêmica sem tamanho aos estudiosos da religião. O manuscrito, apócrifo, chama-se O Evangelho de Judas.

Após 5 anos de trabalho árduo de recuperação e tradução, o texto revelado é, no mínimo, muito interessante. Em resumo, sugere que Judas, ao identificar Jesus junto aos guardas com um beijo, não estava fazendo nada além do que ser fiel a ele: Jesus havia pedido a Judas – que, segundo o manuscrito, era seu discípulo mais leal e o amigo mais verdadeiro – que o libertasse das “vestes humanas” para que pudesse voltar ao Pai. Conclusão estarrecedora: Judas não traiu Jesus.

O evangelho recém encontrado conta que Judas foi o único discípulo que de fato conseguiu entender toda a profundidade do ensinamento de Jesus, além de ter sido o seu discípulo mais próximo. A missão que o Salvador lhe dera era justamente “sacrificar o homem que me veste” – palavras proferidas por ele ao discípulo, segundo o texto. E assim Judas saiu e foi denunciá-lo aos sacerdotes, selando a missão com o propalado beijo.

As descobertas arqueológicas são fascinantes porque, além de possibilitar entender um mundo que há muito se foi, muitas vezes jogam poeira no ventilador. E agora? Nos últimos 50 anos foram encontrados outros evangelhos, de cuja existência Santo Irineu (o bispo que determinou que os 4 evangelhos que conhecemos seriam os oficiais) já sabia, e cujos conteúdos considerava heréticos. Ou seja, muitas outras pessoas escreveram sobre Jesus Cristo, o ser mais importante e influente de nossa era, e parece óbvio que sua história possa ter sido contada de formas diferentes, com interpretações individuais. Como sempre acontece com quem conta uma história, afinal de contas.

Assim os amigos de Judas Iscariotes podem ter escrito este evangelho como uma forma singela de aliviá-lo das acusações de traidor, acusações estas que ficaram marcadas de forma indelével a todos os cristãos. Mesmo Jesus tendo profetizado várias vezes, como consta dos evangelhos que conhecemos, que iria ser morto, tendo inclusive permitido isso. Mesmo que Deus haja enviado seu filho justamente para que, morrendo, desse vida a todos os homens.

Realidade ou ficção? Uma revelação surpreendente ou uma tentativa inócua de livrar a cara de um amigo? Seja como for, esse achado arqueológico só reforça a citação de Sócrates, 500 anos antes destes acontecimentos, sobre nossa total ignorância. Se um beijo pode representar uma alta traição, um ato de lealdade pode ser fatal. E vice-versa.

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Fontes:

Revista Super Interessante - "O evangelho segundo Judas", maio 2006 - http://super.abril.com.br/religiao/evangelho-judas-446400.shtml

National Geographic - "The Lost Gospel of Judas" , maio 2006 - http://www.nationalgeographic.com/lostgospel/index.html

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Este texto faz parte do Exercício Criativo "O beijo de Judas"

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