Aprendendo a doar

COLUNA MULHER EM BUSCA

Autoconhecimento, Espiritualidade, Saúde e Valores

Quero aprender a doar. Dar de mim para esse outro que recebe. Dar por dar, sem pensar em ganhar nada em troca. Dar pensando única e exclusivamente no outro. No bem-estar, na satisfação, no prazer que o meu gesto pode vir a proporcionar-lhe. Pequenas gentilezas que acrescentam um colorido especial ao dia-a-dia de nossos relacionamentos e ao dia-a-dia daqueles com quem cruzamos na rua, no elevador, no Banco ou no supermercado, entre outros. Lembro-me aqui de um diálogo recente. Uma conhecida aniversariava no domingo. Fiquei em dúvida se ligava para ela na véspera. Há pouco tempo ficara sabendo que costumava preparar um almoço para as três filhas com os respectivos genros e netos aos domingos. Porém, como considero aniversário uma data muito especial, resolvi ligar para Ana no dia em que aniversariava. Após lhe dar os parabéns, comentei que havia ficado em dúvida sobre se devia ter ligado na véspera para não atrapalhar os preparativos do almoço em família. “Hoje, Regina, o almoço não vai ser aqui em casa. Fui convidada pelas meninas para almoçarmos fora”. “Que legal! Nada mais justo do que elas retribuírem com um almoço para você no dia de hoje. Quando soube desse seu hábito pensei comigo: coitada da Ana, passa os fins de semana envolvida com compras no supermercado e cozinha”. Tão logo acabei de falar, ouvi do outro lado da linha: “Você não deve pensar assim. Eu não tenho nada de coitada. Esses almoços realmente dão trabalho. Porém, o prazer que me proporcionam compensa todo o mais. Sinto-me feliz ao observar a satisfação de meu marido. Ele gosta de ver a casa cheia e a família reunida em volta da mesa. Para mim, Regina, o prazer de servir supera em muito o trabalho.” Ao desligar o telefone, fiquei pensando no que acabara de ouvir. Ao tomar conhecimento do hábito dominical de minha conhecida, ficara dividida. Um lado meu, o prático e racional, pensou: quanta mão-de-obra e preocupação (os pratos eram escolhidos a dedo, com base nas preferências de cada um). Por outro lado, achava bacana o compromisso de reunir a família, uma vez por semana, no aconchego do lar. A possibilidade do contato, da fala e da troca sem pressa e sem o habitual burburinho dos restaurantes. Algo que não se faz mais hoje em dia. Dá trabalho e tudo que queremos é fugir de compromissos caseiros adicionais nos fins de semana. Ao chamar minha atenção, pude perceber claramente o diferencial que havia no comportamento da Ana. Não se propunha ela a ser a mãe, a esposa, a sogra ou a avó boazinha. Aliás, que me perdoem aqueles que ainda acham algo de bonito no significado desse adjetivo. Eu, em particular, tenho horror a pessoas tidas como “boazinhas”. Não acredito nelas. Em geral fazem-se de boas para ganharem com isso algo em troca. Nada fazem por fazer. Por trás de suas atitudes geralmente há algo que esperam receber. E, quando não recebem, vem a cobrança. “Pôxa, eu sou uma pessoa tão legal, que está sempre pronta para ajudar o outro, que faz isso e aquilo pelo outro. E, quando eu preciso, cadê que encontro ajuda?” A pobre coitada, a vítima, a mártir que com o seu comportamento nos remete à eterna culpa ou à desagradável sensação de sermos devedores. Quem já não fez algo por alguém sem querer, só porque se achava na obrigação, no dever de fazê-lo? Ana, não. Conhecia-a a tempo suficiente para saber que não estava fazendo gênero. Era uma mulher que gostava de si mesma mas que também, cada dia mais, aprendia a gostar do outro, independentemente de quem fosse esse outro. Uma mulher generosa. Uma mulher atenta. Vivia a sua vida, porém procurava sempre, de alguma maneira, ajudar àqueles que estavam à sua volta. Uma parte de mim invejou o comportamento da Ana - o desprendimento, a boa vontade. Como o mundo seria e estaria melhor se as pessoas tivessem ao menos um pouco de boa vontade. È dando que se recebe. Quem ainda não ouviu essa máxima? De minha parte já a ouvi inúmeras vezes. A questão é que tenho para mim que não posso dar pensando em receber. Por tudo o que já aprendi, sei que qualquer gesto meu nesse sentido deve ser espontâneo, vindo do coração, do real desejo de ajudar, de colaborar, sem esperar ganhar absolutamente nada em troca. Enquanto isso não acontece, prefiro manter-me fiel a meus sentimentos. Só faço o que sinto verdadeira vontade de fazer. Para alguns - e talvez até para muitos -, isso pode soar como egoísmo. Talvez o seja. Confesso que, quando me descubro realizando algo pelo outro com genuíno prazer, a sensação de bem-estar que me invade é tão grande que me pergunto por que razão não ajo da mesma maneira com mais freqüência. A resposta é simples. Não é sempre que algo me move no sentido do bem agir. Sei que a linha reta é a menor distância entre dois pontos. No entanto, aprendi também que, em termos de comportamento humano, não é bem assim. Existem os desvios. O tempo de aprendizado de cada um.

Tenho momentos de trevas. Infelizmente eles ainda são em maior número do que os meus momentos de luz. Estou na estrada. Caminho no meu passo, dentro do meu possível. Às vezes tropeço. Lembro-me, então, de algo que li tempos atrás. “Uma vez perguntaram a um monge o que ele fazia o dia inteiro no mosteiro. Ele respondeu que caía e se levantava, caía e se levantava, caía e se levantava.” E assim é a vida. Nunca se sabe o suficiente para não se cair novamente.

Com muito carinho e um afeto sincero,

Regina Dias, autora do livro Mulher em Busca,

editoras Mauad e Bapera

Site: www.mulherembusca.com.br

E-mail: reginadias@mulherembusca.com.br

regina dias
Enviado por regina dias em 05/09/2005
Código do texto: T47769