O DENTIN ( Parte 1)

_“A Zaia queblô o dentin deia, papai! Pai, a Zaia queblô o dentin deia! PAI, A ZAIA QUEBLÔ O DENTINHO DEIA!!”

Diante de tanta aflição, Serginho interrompeu sua conversa com o Diretor da escola de suas filhas, olhou para a pequena Jade e conseguiu traduzir sua fala: a Zaira quebrou o dentinho dela... Meu Deus!! Seu coração disparou, as pernas bambearam... A história estava se repetindo...

Aflito, saiu em busca da filha de 8 anos e a encontrou sendo socorrida por uma funcionária da escola, limpando o sangue que saía abundantemente de sua boquinha. Ao examiná-la, o pai ficou lívido ao detectar a perda total do incisivo direito, que há tão pouco tempo substituíra o dentinho de leite. Começou a chorar não apenas de pena da sua filhinha, mas, sobretudo, por se recordar da dor que sentira quando, também aos oitos anos de idade, perdera ele próprio o seu incisivo direito, em virtude de uma queda de bicicleta.

Buscou forças para reagir e perguntar à funcionária se ela encontrara os “restos mortais” do dentinho de Zaira, na esperança de que algum dentista conseguisse colar, remendar, enfim, recompor a arcada dentária de sua filha. Após intensa busca no chão da quadra de esportes, palco da “tragédia”, encontraram três pedaços.

A duras penas, chorando copiosamente, Serginho conseguiu levar Zaira a um dentista, que a examinou e constatou duas coisas: a quebra se dera rente à gengiva e os fragmentos apresentados estavam incompletos. Após a assepsia e recomendação de bochechos com água gelada e sal, o consolo veio com a promessa de que, futuramente, um implante e uma prótese devolveriam o seu lindo sorriso.

Ao chegar a casa, Serginho relatou tudo para sua esposa, Valéria, que, talvez, por ser psicóloga, aconchegou a filha em seus braços, mas não se desesperou e nem chorou. Essa reação foi completamente mal entendida por seu marido, que, desde então, calou-se e ficou completamente magoado pela naturalidade com que sua mulher tratou a questão. Em sua cabeça fervilhavam essas perguntas: Zaira perde o seu dente incisivo, DE-FI-NI-TI-VO e Valéria nem chora? Como pode isso?

Após duas semanas, completamente “de mal” com Valéria, ele, finalmente, criou coragem para perguntar à esposa por que ela fora tão insensível e desnaturada diante da infelicidade que acontecera com a filha mais velha. Ela até tentou explicar que “a vida tem coisas muito mais tristes, que o seu desespero serviria apenas para afligir Zaira, e que não vale a pena o homem sofrer por aquilo que ele não tem controle”, mas Serginho não se conformou e se saiu com essa:

_ Valéria, você é uma insensível!! Você não derramou nem uma lágrima pela perda do dente da nossa filha!! Você não sabe o que é sorrir faltando um dente da frente!! Você sabia que na idade de Zaira eu perdi o meu incisivo direito por causa de uma queda de bicicleta? Você nunca reparou que esse meu dentão é um implante? Eu sempre achei horrível não poder dizer que todos os dentes da minha boca são meus. Você não imagina o quanto é ruim ter dentro da boca um material artificial!

_ Ah, Serginho, eu sei o que é isso, sim!! Está vendo esse dentinho, colega do meu incisivo direito? Pois é, ele só é meu porque mamãe e papai o pagaram por mim.

_ O quê? Valéria, eu me casei com uma mulher que não tem todos os dentes? Como que você nunca me contou sobre isso? Você não escovava os dentes, esse careou e caiu? Foi isso? Por que você não me disse isso antes de nós nos casarmos? Meu Deus, e pensar que eu vivo beijando essa sua boca que tem um dente artificial bem na frente...!

_ Meu amor, a história do meu dentinho é a seguinte....

(Caro leitor, não deixe de ler a história do dentinho de Valéria, a seguir)

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 23/04/2014
Reeditado em 27/04/2014
Código do texto: T4780004
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