Xis

Xis





Mês passado, a colega de trabalho do filho de um amigo foi assassinada dentro de um táxi. Latrocínio. Dois dias depois soube através de um parente que Fulano (pra que dar nomes a um triste caso verídico?), muito fino, dizem que colecionava artigos lindíssimos, sofreu um atentado em sua casa de campo. Primeiro uma paulada, depois outros ferimentos, mais outros ferimentos, por fim incendiado. Era como se quisessem matá-lo mais de uma vez. Fulano foi-se. Semana passada o
filho de uma amiga vinha voltando do batente, 7 e 30 da noite quando um vulto saiu do nada empunhando um caco de vidro e por pouco não lhe corta a jugular. Hoje de manhã o genro de uma amiga tomou um tiro no peito ao abrir a padaria. Caixão.

Passei a régua nesse balanço e veio à tona um fato ocorrido na Nova Iorque de 1962. Após um satnd-up numa boate dois funcionários da embaixada alemã entraram no camarim para cumprimentar o artista, e indagaram: por que não temos talentos assim em nosso país? Ao que ele teria respondido: porque vocês mataram todos.

Por hora, sem alegria. Já não se trata de notícias colhidas na TeleTristeza, mas de fatos próximos, e sinto-me como o navegante quinhentista observando arbustos boiando e concluindo: ainda não se vê terra, mas deve estar logo ali.

Que terra será esta?

Nunca vi uma copa tão baixo astral na minha vida. Os abobados da vez fizeram sábado último a Marcha da Pamonha, em plena avenida Paulista. Quatro mil pamonheiros pediam a legalização da Pamonha e para tanto puseram no céu uma pamonha gigante. Eu estava no bus, surpreendido pela mudança do trajeto (em virtude da Marcha), o cobrador disse: relaxa, a gente pára onde você quiser. Bufei contrariado que no meu tempo fumava-se apenas e quando muito marchava-se em praias idílicas. Daí me lembrei de uma capa de Veja no entorno de 1981, Jards Macalé, que havia ido falar com Golbery do Couto e Silva, o todo poderoso de então, e Veja lhe indagava nas páginas amarelas: você foi pedir a legalização da pamonha? Jards respondeu: legalizar pra quê, se todo mundo fuma?

Outra terra.

Não conheço um único ser que esteja preocupado com o desempenho dos canarinhos. Ficaria horas e horas falando de outras copas, da euforia implícita, prognósticos sobre a escalação, a ansiedade de um novo título, esperei 24 anos pelo tetra e com o penta quase tive um infarto. Sim, há uma copa batendo na porta e os rumores são os piores possíveis. A parte (onde fica essa parte?) não corrompida da mídia tem falado, timidamente, pero o que alvoroça meus sensores são os depoimentos colhidos no dia a dia. Tenebrosos seria um abrandamento ao que vem aos meus ouvidos. Se eu tivesse dado o caráter de uma pesquisa oficial nas minhas indagações itinerantes o resultado seria 100% baixo astral e absolutamente nada relativo ao tema concernente a uma copa, ou seja, futebol.

Sei, os ingressos estão esgotados e pessoas exultam com a perspectiva de assistirem jogos em várias cidades sede. Até agora nenhuma delas apareceu no meu caminho.

Me despeço enviando um terno beijo ao coração de uma ilustre figura do meu imaginário, que não mora numa cidade sede e tem o mar por companhia. Que a vida lhe seja sempre leve, como o vôo de uma andorinha, e que uma força maior permita talvez o encontro dos nossos caminhos.

Faltam xis dias para o evento e a única coisa que todos nós temos na mesma quantidade é o número de horas de um dia.

Além de uma apreensão dir-se-ia histórica no seio de cada um.



(Imagem: Três cigarras, Vincent van Gogh, Saint-Rémy-de-Provence, julho de 1889)
 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 28/04/2014
Reeditado em 13/04/2021
Código do texto: T4786340
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