Watercliff odiava fofocas.

Watercliff de um sobrenome qualquer odiava fofocas.

Mas vivia numa cidade com pouco mais de duas ruas e uma praça. Onde todo mundo se conhecia e a vida de todos era um bem comum.

Ninguém se lembrava do sobrenome de Watercliff até porque quem se chama Watercliff ou Stanislaw, não precisa mesmo de um sobrenome.

Ele gostava da cidade. Trabalhava nela, vivia nela. Se casou nela. Era discreto. Além de seu formal bom-dia e de seu cabelo rigorosamente alinhado, ninguém sabia muito dele ou queria saber.

Era uma pessoa destas que não se desperta nem amor nem ódio.

No mercado onde trabalha, se não falha a memória das fofoqueiras da cidade,desde que era criança, galgou degraus e chegou a gerente.

Era um homem honrado, discreto e odiava fofocas.

Um dia, juntou todas as suas economias e comprou um carro novo. Uma pickup grande, daquelas que se usa para andar em fazendas.

A pequena cidade começou então a criar hipoteses que talvez Watercliff fosse o tal misterioso homem que ganhou na loteria na capital. E pensando bem ele não foi trabalhar no dia seguinte a divulgação do premio. Ou seriam dias antes?

As fofocas começaram a correr e Watercliff não se importava com elas, porque, como quem é vitima das fofocas, não ficava nunca sabendo de seu teor.

Percebeu apenas que os olhares mudaram. Começou a ganhar mais sorrisos, bom dias e alguns “dotô”.

Julgava que sua honradez, discrição e ódio a fofoca finalmente rendiam-lhe algum reconhecimento.

Um dia, de tão discreto que era, chegou perto demais de uma conversa e ouviu as pessoas falando de suas inexistentes propriedades, de sua fortuna escondida e de suas nunca realizadas viagens.

Ficou perplexo. A fofoca que ele tanto odiava era na verdade o motivo do respeito adquirido.

Achou o gosto daquilo bom.

Passou a discretamente alimentar a imaginação da cidade e vez por outra, foi visto comprando arame farpado e botas, antes de sair da cidade.

Watercliff ainda era discreto, ainda era honrado, mas não odiava tanto as fofocas.

Começou a discretamente ouvir o que diziam dele e a se sentir bem!

Sorria a cada sorriso que ganhava, se sentia um doutor a cada “dotô" que ouvia.

Um dia voltando de casa, encontrou Mariazinha, a moça mais bonita da cidade. Ofereceu-a carona e ela aceitou. A pickup quebrou – e realmente quebrou e Watercliff foi bastante discreto e honrado, mas não pode evitar as fofocas.

As fofocas chegaram aos ouvidos de Watercliff que gostou do que ouviu. Chegou também aos ouvidos da senhora Watercliff que não gostou do que ouviu e acabou saindo de casa.

A cidade até hoje acha que Watercliff mantém aquela fazenda e se encontra com Mariazinha. Watercliff nunca desmentiu a história.

Na verdade, Watercliff hoje ama fofocas.