O ritmo de cada um

Há algum tempo, defendo o direito inalienável de fazer escolhas, quanto ao dispor de meu tempo, da forma que melhor me convier, ainda que não o seja dos que comigo convivem.

Quando nos negamos a assumir responsabilidades, a nos envolvermos em atividades que nos exijam mais atenção do que desejamos dar, sempre há quem nos diga o quanto somos necessários, o quanto ainda temos capacidade de participar. Participar em termos de trabalho, nem sempre em termos de idéias.

O que as pessoas, em geral, mais jovens, não tentam compreender, e essa compreensão somente virá, quando por sua vez, chegarem, ou melhor, ultrapassarem os 60, ou até quem sabe, bem antes, é que nós já fizemos muito, talvez bem mais do que aqueles virão a fazer.

A maioria das pessoas de minha geração começaram a trabalhar muito cedo, em condições muito duras. Se estudaram, o fizeram à noite, também em condições bem diferentes das de hoje.

O que essas pessoas que nos criticam, quando desejamos, quando optamos por mais quietude, por menos atividades, não sabem, é que a embalagem pode estar em bom estado, apesar da quilometragem rodada, mas o conteúdo sofreu as conseqüências das peripécias da jornada. Podemos não estar cobertas de cicatrizes, não termos rugas profundas, marcando cada ano de nossa existência, mas lá dentro, a louça está trincada, as peças do quebra-cabeças se espalharam, se desgastaram e juntá-las, ainda que seja possível, não garantirá um desenho tão perfeito, quanto era antes de ser embalado.

Ontem, revi a imagem de meu pai, bem antes de ter sofrido o AVC que o deixou acamado nos dois anos que precederam sua viagem final, em uma festa de casamento. Não lembro de quem. Havia música, muitos convidados dançavam e ele, que sempre fora bom dançarino, no entusiasmo da festa, pegou minha mãe pela mão e a conduziu à pista de danças. Não deu mais que meia dúzia de rodopios e, amparado pela minha mãe, teve que voltar à cadeira, porque suas pernas frágeis, não suportaram o esforço e os pulmões, prejudicados pelo enfisema antigo, não lhe deram o fôlego que pensava ter. Como dizia minha mãe, a cabeça funcionava, mas o corpo não obedecia. Embalagem relativamente boa, conteúdo em péssimo estado. Cada pessoa tem um ritmo próprio. Se há muitas pessoas com mais de 70, ou 80 anos de idade, com energia sobrando, há muitas com 40, 50, que já gastaram toda ela e mais um pouco, talvez por não saberem administrar, ou porque tenham sido muito mais exigidos do que aqueles.

Quando uma pessoa disser que deseja reduzir seu ritmo de vida, que deseja ter espaço para si, para não fazer nada, se quiser, respeita. Nesse nada, ainda há muito mais, às vezes, do que o muito que pensas fazer.

08/05/2007