A saudade pendurada no varal

Havia o tempo das chuvas. Os córregos transbordavam. O serviço de águas era totalmente paralizado pela fôrca do barro que se misturava às aguas entupindo os encanamentos.

O único lugar onde se encontrava água potável de ótima qualidade, era na "gruta" da Rosinha, em uma nascente que saía do meio das pedras com fartura e límpida como um cristal.

Naqueles tempos, as moças da minha cidade iam como em procissão, para aquele refúgio, com suas roupas, suas bacias e sabão; Com suas alegrias e também, aflicões.

Estar alí junto com minha irmã e os nossos vizinhos me deixava feliz da vida.

Por ser pequeno, e apesar de muito querido, jamais me perceberam!

As moças na época do namoro, dos primeiros vôos, são bastante egoístas consigo mesmas para perceberem uma criança, o que me deixava bastante à vontade para saber das coisas das moças grandes.

Apesar da aparente simplicidade daqueles dias, conseguí observar que todo tempo tem as suas magias e descontentamentos, e todo período carrega consigo um conteúdo de incertezas.

A inveja e o ciúme sempre andaram de mãos dadas, mas a solidariedade e a esperança se abraçavam pela superioridade do amor.

Depois de muita chuva, quando acontecia o primeiro dia de sol, as roupas lavadas iam secar nos varais, e como os quintais se comunicavam livremente, via-se um mosaico de muitas cores, como se fôsse um dia de festa.

Era um balé alegórico de infinidades de tons: O vestido de chita, a colcha de retalhos, as sedas e os linhos para o enxoval da noiva.

E como um sentimento, uma saudade imensa veio de encontro ao meu coração:

Me veio da alma, o perfume do sabão de pedra, a agua batizada de anil, como uma safira azul ao sol, o bailado do louva-a-deus, o cheiro do barro, das laranjeiras dos quintais, e da virtude que existe na dificuldade, que sempre fortalece o caráter.

Cada peça se transformou em uma criatura viva, desfilando pelas corredeiras da minha imaginação.

Poderia apalpar o sorriso das moças, a alegria das crianças, a poesia dos idosos cantarolando ao sol, ou segurar nas minhas mãos, os pedaços daquela época.

"Era a minha saudade pendurada no varal"

Rosa que ja foi Rosinha

Rosa que não quiz ser flôr

Rosa que foi ser mulher

Rosa pra morrer de amor

"Cantiga das lavadeiras"

(zé canjica)