MISTÉRIOS ENRAIZADOS
Criei-me ouvindo histórias de agricultores e de pescadores em rodas de fogo de chão. Enquanto o chimarrão passava de mão em mão entre os adultos; nós, crianças, comíamos pipocas. Alguns causos eram horripilantes e, em minha cabecinha, mistérios foram sendo enraizados. No cair da noite, quando passávamos do galpão de arroz a casa; eu acreditava ver olhos de fogo entre o arvoredo. Minhas perninhas bambeavam e, apavorada, corria para os braços de minha mãe. Banho de açude, nem pensar; nas águas, segundo os causos, escondiam-se muitos seres maus e assassinos. Em meu universo, os elementos lendários ganhavam vida à noite e eram super amigos e parceiros; bastava um sinal do Negrinho do Pastoreio e todos, rapidinhos, reuniam-se. A Mboitatá e a Salamanca do Jarau, além de serem voadoras; tudo ouviam e viam. À esquerda da casa, ficavam as mangueiras; e eu, com os meus medos, enquanto o sono não vinha, ouvia o ruído das patas da Mula sem Cabeça. Hoje, sessenta anos depois, quando a insônia faz-me companhia, resgato histórias de mistérios enraizadas em minha memória e em meu coração.