A Professora

(baseado em fatos reais)

Tinha acabado de chegar à delegacia. Fora convocada a prestar declarações a respeito da tentativa de roubo de que fora vítima. Coisas que se repetem com frequência cada vez maior em nossa cidade. A ponto de nos esquecermos de fatos marcantes já acontecidos.

Na verdade, eles levaram meu carro e meu neto. E saí como uma louca atrás do carro, pedindo que eles deixassem meu neto, o que felizmente consegui. Talvez eles tivessem se lembrado do que tinha ocorrido com o menino João Hélio, que ficara preso ao cinto de segurança, num outro assalto, e fora arrastado pelo lado de fora do veículo vindo a morrer. Meu caso fora parecido.

Tivemos recentemente, agora, o caso da Cláudia. Que saíra pra comprar pão e foi alvejada, aparentemente num confronto entre policiais e traficantes. Sendo depois arrastada pela rua, a pretexto de ser socorrida, dessa vez por um camburão da polícia, vindo a falecer. Violência que se repete.

Na delegacia, enquanto esperava para ser atendida, chegou um cidadão com uma folha de papel. Vi logo que se tratava de pessoa humilde, pelo seu jeito e as roupas que trajava. Como havia chegado primeiro, o atendente ou escrivão dirigiu-se a mim. Pedi-lhe que atendesse o homem ao meu lado. Apesar de não ter dinheiro, conseguira dar um jeito de chegar à delegacia. Pareceu-me ter ouvido que vinha da Rodoviária. O atendente:

- O que o senhor deseja?

- Fui solto e me disseram que viesse aqui que o senhor me arranjaria um emprego.

- Quem disse?, perguntou o atendente.

- Me deram esse papel. Disseram que aqui eu arranjaria um emprego.

O atendente pegou o papel, leu o que estava escrito e disse ao homem:

- Aqui diz que você ainda tem pena a cumprir.

- Bem, não sei. Um dia estava com fome, entrei num mercado e peguei alguma coisa pra comer. Fui preso, mas já paguei tudinho. Agora quero um emprego. Não quero ser bandido. E me disseram que aqui o senhor me arranjaria um emprego.

- Cara, você ainda tem 10 anos de pena pra cumprir, falou o atendente olhando para mim como se estivesse brincando, certo ar de deboche.

- Bem, então eu cumpro de novo. Mas só sei que eu queria um emprego.

- Você não viu, cara, o que estava no papel?, insistiu o atendente.

- Eu não sei ler.

- Espera um pouco aí, disse o atendente, voltando-se para mim.

Após ter prestado as devidas declarações e cumprido as formalidades burocráticas de praxe, voltei-me para o atendente e lhe perguntei:

- E o caso do moço com o papel, como vai ficar?

- Isso aí cansa de acontecer. Eles prendem o cara, soltam depois e mandam pra cá, dizendo que aqui tem emprego. Vou deixá-lo dormir por aí e amanhã mando-o embora.

No dia seguinte tive mais um motivo para dizer aos meus alunos como é importante saber ler e escrever.

Rio, 29/05/2014

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 29/05/2014
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