INDIO QUER APITO

INDIO QUER APITO

08 JUNHO 14

Tempo moderno aonde o que mais temos é tempo. Os infindáveis engarrafamentos do transito que ocorrem tanto pelo entupimento de nossas ruas por veículos que quando eram nosso símbolo de consumo nos serviam para podermos agilizar nossas vidas ou ainda, talvez, pela incompetência dos nossos engenheiros de transito incapazes de planejar rotas inteligentes neste tabuleiro de xadrez com quadrados de 100 metros de lado que inspirou os projetistas desta capital do mais belo horizonte no perímetro do seu contorno original. Mas se é como dizem os sábios que “todo problema só é na realidade uma oportunidade” façamos deste problema uma oportunidade, pelo menos enquanto aquela reunião para qual já estamos atrasados não tenha tanta importância. Foi em um destes engarrafamentos, que hoje chegam sorrateiros, sem hora e num virar de uma esquina que tive o “insight” para começar a pensar na vida. A primeira ideia que me veio foi a de que chegará o dia em que todos nós seremos empregados das petrolíferas, pois temos passado grande parte de nossas vidas gastando petróleo para não sairmos do lugar e este é um dos poucos negócios onde se tem lucro independentemente de se andar ou ficar parado. Deste primeiro pensamento viajei para o conforto que hoje temos em nossos carros se comparados com os de 20 ou 30 anos atrás, poltronas ergonomicamente projetadas com envolventes laterais, reclináveis e com assento regulável, ar condicionado, vidros com filtro solar que em breve terá sua transparência regulável, som com todos os efeitos capazes de suprir qualquer defeito auditivo, comunicadores com o mundo externo comandados pela voz e que não exigem um mínimo gesto. Tá ruim? Pra que sair dali. Foi durante este pensar que ouço em uma rádio onde o locutor, com o timbre próprio daqueles que falam pelo microfone de uma FM, contava as histórias das marchas e músicas de carnavais e ao fundo ouço o “Indio quer apito se não der pau vai comer...” ato reflexo, viro para o lado e vejo uma bela morena de longos cabelos soltos e esvoaçantes pelo vento do ar condicionado que retocava sua maquiagem, mas estranhamente olhando para baixo ao contrario do que era a costumeira e natural utilização do retrovisor ou do espelho do quebra sol. Protegido pelo anonimato do “insulfilm” me atrevo a fixar o olhar no carro ao lado e vejo o capricho com que com um pincel contorna os olhos e dá pequenos toques nas bochechas e depois com um bastão de batom realça o contorno dos lábios, que me fez invejar aquele que por ele seria marcado, e aí para meu espanto vejo ela recolhendo um celular que utilizava no modo “selfie” como se espelho fosse. Eu que sou da geração em que quem tinha 1001 utilidades era o Bombril, vi que hoje existem coisas que têm bem mais utilidades. Tenho que parar de pensar, pois o transito começou a andar e o motivo da paralisação foi um simples burro que puxava uma carroça e resolvera empacar bem ali na Rio Grande do Norte com Afonso Pena , sinais dos tempos.

Geraldo Cerqueira