A DESCOBERTA

O texto a seguir foi extraído de “Crônicas da Vida Inteira”, livro inédito sobre fatos da minha vida, adaptado para o Recanto das Letras.

A DESCOBERTA

Diariamente lá pelo meio da manhã e da tarde era servido um lanche quase sempre de banana. Uma vez que outra vinha pão com musse, e nos dias festivos era uma bela fatia de torta. Eu achava enormes as tais bananas, mas não sabia que eram de uma espécie diferente das que papai cultivava, pensando tolamente que fossem assim por efeito da terra mais fértil ou mais propícia ao cultivo delas. Uma só já enchia o estômago de qualquer vivente. Cada vez que as comia, eu me sentia enfastiado e passei a detestar as tais bananas. Raramente as pegava, preferindo passar fome até o almoço. Assim se passaram três anos e meio.

Ano após ano, quem distribuía o lanche diário aos colegas em fila eram sempre os mesmos dois. Certo dia um deles estava acamado, e eu então fui designado a ir em seu lugar ao depósito buscar o lanche com o outro. Foi lá que eu aprendi, depois de tanto tempo de abstinência de bananas, que há várias espécies delas. Pra mim até ali, banana era banana e pronto.

Quando eu vi que o colega, uma vez lá dentro, passou pelos cestos cheios e correu pra um dos muitos cachos dependurados, arrancou uma banana e comeu-a avidamente, depois outra e mais outra.

— Por que não pegaste destas, daqui do cesto? — perguntei sem entender. — Se é que gostas tanto assim, estas são até maiores.

— Mas são ruins, rapaz. Não vês que essas são bananas- nanicas? Estas daqui são bananas-brancas. Estas outras aqui são bananas-maçãs. Cada uma mais gostosa que a outra.

— O quê? Há mais de uma espécie de bananas? Pois olha, eu não sabia! — exclamei, pegando também uma do cacho. — Huuum, é boa mesmo! Nossa! Igualzinha às que meu pai plantou lá no nosso sertão. Ah, agora eu descobri por que vocês dois nunca pegam bananas pra vocês lá na fila! Já saem daqui de pança cheia, né, seus safados — concluí ainda de boca cheia.

— Anda depressa, vamos! Enfia umas nos bolsos, anda, e vamos. — apressou-me ele, fazendo o mesmo.

— Escuta, por que não servem destas em vez daquelas pra nós?

— Porque são poucas, só pros padres, rapaz.

— Ah é, é?

Fiz que concordei com a explicação, mas fiquei parafusando um jeito de ter daquelas bananas também. Os padres não eram melhores que eu, ora bolas!

Quem é que passou por este mundo sem fazer ao menos uma molecagem? Ora em grupo de trabalho, ora vadiando sozinho pelos arredores, eu já tinha estado várias vezes na chácara de bananas, ali na encosta bem próxima, mas nunca dava importância a isso, pensando que fossem dali as bananas dos nossos lanches, pois nunca tinha notado diferença alguma entre umas e outras.

No dia depois da minha ida ao depósito fiz uma visita de inspeção ao dito bananal e constatei que de fato as frutas dali não eram tão alentadas quanto as do nosso lanche. Estava descoberta a fonte de abastecimento de bananas pra mesa dos padres. O problema então era arranjar um bom esconderijo a que eu pudesse ir quando quisesse e sem atrair possíveis sócios nem levantar suspeita.

Passei mais alguns dias sem solução, recusando aquelas bananas intragáveis, mas o que era isso pra quem já tinha passado tantos anos assim? De repente me lembrei de um lugar perfeito pra meu esconderijo. Na rígida disciplina da casa, qualquer um que quisesse ausentar-se do grupo precisava da autorização do padre que estivesse de vigilante no momento, exceto pra ir rezar na capela ou na gruta de Nossa Senhora de Lourdes, que ficava a meio caminho da dita chácara.

A gruta não era grande, mas era muito bonita, e o local bem aprazível sob copadas árvores. De vez em quando eu ia lá rezar e ficava a admirá-la, observando os mínimos detalhes enquanto os dedos desfiavam as contas do terço ou os lábios murmuravam apenas umas ave-marias a varejo. A estátua da Virgem ficava sobre um altar de pedras atrás do qual havia um corredor estreito com entrada pela esquerda, entre a parede lateral e a estátua de Santa Bernardete.

— Eureca! — exclamei ao lembrar-me do local. — Lá vai dar de esconder, sim senhor!

Na primeira oportunidade corri a inspecionar o achado. Nem rezei. Fui direto pro meu tão sonhado esconderijo. Era melhor do que eu imaginava. De meio metro pra baixo havia um vazio profundo sob a mesa do altar. “Beleza!”, exclamei feliz. Mas depois me veio um grilo à cabeça: Como é que eu iria justificar o meu repentino interesse pelo local? “Já sei! Vou pedir pra ser o zelador da gruta, alegando que o local está muito desprezado”.

Dito e feito! Já no dia seguinte eu me instrumentava de enxada e ancinho pra capinar ao redor, e demais ferramentas de jardinagem, incluindo uma faca velha, obtida na cozinha sob pretexto de servir-me pra podar e revolver a terra dos vasos. E era, mas não só.

Depois de trabalhar duro a tarde inteira, resolvi fazer minha primeira incursão predatória pelo bananal dos padres, o qual, conforme já disse, ficava perto dali. A fim de trazer o furto escondido, levei comigo um latão, desses de óleo. Havia muitos cachos já amarelando. “Os padres, safados, sabem que o fruto amadurecido no pé é mais saboroso”, pensei. Cortei depressa o menor cacho que encontrei, enfiei-o dentro do latão e corri pro esconderijo.

Instante depois batia o sinal, chamando pra outras obrigações.