E SE JOAQUIM BARBOSA MANCHAR A FAIXA DO HEXACAMPEONATO?

Um dia após a eleição para presidente da república no Brasil. O mistério sobre a concorrência ou não do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, havia sido desfeito e a certeza de que ele fatalmente ganharia se solidificara.

Glayson passava em frente à casa dos Victor e viu hasteada uma bandeira do Brasil. O que o deixou perplexo era o fato de se tratar de um pano antigo. Já teriam os Victor a bandeira há pelo menos dois anos. No entanto, antes, durante e até depois da conquista da Copa do Mundo de futebol não houve nada hasteado na parede da residência da Albatroz 169.

Era difícil de se esperar o encontro do caseiro Glayson, que quase não sai de casa a não ser para ir para o trabalho, com o outro caseiro Tôim, morador do endereço mencionado. Por certo, além de cumprimentos, o Glayson faria questão também de saciar sua curiosidade.

– Como vai, Tôim, tudo em riba? Me diz uma coisa, por que vocês hastearam essa bandeira?

– Ora, Glayson, não viu ontem a vitória da nossa democracia? Joaquim Barbosa é o novo presidente do nosso amado país. O orgulho é grande demais para abrir mão de demonstrar patriotismo.

– Patriotismo? Você comprou usada essa bandeira?

– Não, não! A ocasião merecia uma nova aquisição, mas já tenho essa bandeira há um bocado de tempo.

– E por que não fez como eu e deixou ela na parede virada para a rua durante a Copa do Mundo, já que você falou de patriotismo?

– Ora, ora, o povo brasileiro tem que deixar de achar que patriotismo se refere só ao futebol, aos jogos da Seleção em geral. A bem da verdade, que importância tem o futebol ou qualquer outro esporte perto da esperança de vivermos tempos melhores, mais iguais para todo brasileiro?

– É, cada um com seu jeito de pensar, né? Vou indo. Até mais!

Tôim acenou para cima se despedindo do amigo e voltou a varrer a calçada em frente ao seu portão.

"Péra, péra, tem algo errado nisso". Pensava Glayson enquanto subia e logo fez menção de voltar até o vizinho varredor de calçada para discutir com ele um argumento que não lhe soou muito bem.

– Tôim, se você disse "não se refere SÓ ao futebol", então, admite que se importar com o futebol da Seleção também é patriotismo, certo?

– Certíssimo! Respondeu Tôim sem desviar os olhos do chão e parar a atividade que fazia.

– Deveria então ter colocado a bandeira na parede durante a Copa, se é assim!

O inquérito mereceu a parada antes evitada na atividade. E Tôim deu seu depoimento segurando a vassoura com as duas mãos, mantendo a ponta do cabo no centro de seu tórax.

– Ouça bem: Com o que você está assentindo quando hasteia uma bandeira demonstrando patriotismo por achar que um novo presidente é a solução para os problemas da nação?

– Tá, com a melhoria de vida das pessoas. Mas, pode acontecer de não passar de uma promessa!

– Claro! Sei perfeitamente que pode. Eu diria que assentimos com a defesa da soberania do país. Um país soberano, automaticamente já garante melhoria de vida para a população. Quando fomos soberanos durante toda essa Copa do Mundo, desde a escolha do país para sediá-la?

Glayson não soube responder.

– Nem mesmo ganhá-la significou soberania, não é mesmo? Significou no máximo prêmio consolação por permitir usar o território para a exploração capitalista do mercado de eventos esportivos. Se se tornar hexacampeão dessa forma significou algo para você, contenta-se com muito pouco. A verdade é que ao demonstrar patriotismo com relação à Copa eu demonstraria submissão aos grupos que foram soberanos durante o evento e que nos escravizaram e ganharam dinheiro às nossas custas. Grupos nacionais e internacionais, políticos, midiáticos e etc. Não faço parte de nenhum desses grupos e creio que você também não. Mas, fazemos parte da população brasileira. Se o país se tornar soberano e ter o controle de tudo que promove, desde ações sociais e leis até eventos esportivos, e distribuir o que ganha com o povo, nós ganharemos também. Muito mais até do que se ganhássemos algo de fato com a Copa. A Copa não mereceu minha bandeira de apoio. Nem mesmo minha atenção ao rádio ou à tevê, consumindo notícias ou vendo jogos. O melhor que pude fazer eu fiz: fiquei dentro de casa. Não saí para badernar, protestar ou fazer qualquer outra coisa que eu só fizesse piorar minha indignação contra quem veio me roubando, me iludindo e programando minha mente esses anos todos.

Glayson voltou a subir a rua. Tôim voltou a varrer. O que Glayson dissesse em represália ele seria rebatido por Tôim. Tôim iria dizer para ele que o que ele acabara de dizer era resposta pronta criada pelos organizadores da Copa para ele dizer a quem lhe dissesse o que ouvira. Tôim sempre falava isso em qualquer assunto polêmico que discutisse. E infelizmente ganhava a razão e deixava seus oponentes nos discursos com aquela sensação de ser um fraco e tolo que tem o modo de pensar moldado pelo Sistema. E realmente não passam disso. Quem determina o que é ser patriota não é a mídia.