Débeis decibéis

Débeis decibéis




Eita programinha excruciante esse jogo contra o México, pela madrugada, sem ser técnico nem nada era absolutamente claro que nunca faríamos um gol jogando daquele jeito.

No dia da abertura, 12/06, quando acontecia aquela apresentação e/ou show, pensei e ainda tive a infelicidade de perguntar para a pessoa ao lado se aquilo era um ensaio. Me disseram que não, que era pra valer. Achei esquisito. Algo, no entanto, tomou conta dos meus raciocínios antes da "largada": puxa, estamos sediando uma Copa, nunca mais veremos isso. Quer dizer, não sei se estou me fazendo entender, há um elemento histórico inserido e por conseguinte, talvez por conseguinte, deveria haver um brio.

Daí, vendo aquela garotada com cabelos e tatuagens pensei: está faltando uns caras mais maduros aí... Deve ser a velhice se anunciando. Sim, o Neymar correu pra cacete, fez dois gols, ok, indiscutível, o resultado trouxe euforia, mas pairava a sensação de uma certa falta de consistência no geral.

Nesse ínterim, encontrei um velho conhecido que, conversa vai conversa vem me indagou o que eu achei da vaia. A emissora deve ter um equipamento ultra sofisticado de processamento de sons, porque eu não ouvi nenhuma vaia. Então ele sacou o laptop, puxou um link e falou: dá uma olhada. Fiquei bestificado. Não se tratava de meia dúzia de gatos pingados vociferando. Era um mar de gente. Enquanto imagem, achei aquilo curioso e esta é exatamente a palavra que quero usar.

A mídia se valeu de interjeições. Bom, se fosse a só a mídia eu diria normal, já que a política está em jogo e em política tudo se aproveita. O que achei estranho, senão fora de esquadro, foi a indignação individual. Até o momento só conheci uma pessoa com esse grau, digamos, intoxicante. Pensei profundamente no assunto e me indaguei porque não sentia a mesma coisa.

A pessoa dizia: isso é uma tremenda falta de educação.

Durante a minha caminhada, antes do jogo contra o México e logo após esse incidente, pensei que a gente vai trafegando em níveis e níveis de percepções, e que no presente, depois de anos sendo soterrado por um acúmulo de sandices cabulosas, cheguei num ponto em que falta de educação é o desgraçado que mata impiedosamente, tudo registrado por câmeras de segurança, mata por uma porcaria qualquer. Estamos no país responsável por 10% dos homicídios no planeta. Isso não é brincadeira, pelo contrário, isso é um tremendo atestado do tamanho da encrenca em que nos encontramos. Há uma leitura tenebrosa a ser lida nesse termômetro e não será uma merda de uma vaia com palavrões que irá me desconcertar. Falta de educação são esses delinquentes de carteirinha, camisetas e bandeirolas que ficam bailando pela cidade, atrapalhando a vida de todo mundo, querendo o que é dos outros no grito. Ou essas gangues que prostituem crianças, que instituem trabalho escravo, que traficam órgãos, etc.

Outros conhecidos, nos dias precedentes ao 12/06 me confidenciaram suas ansiedades e apreensões (que também eram minhas), isso sem falar no mar de boatos e no infame slogan "Não vai ter Copa". Em nome de que? Falta de transporte, hospitais e escolas. E desde quando tivemos isso em abundância? Qual o que, é muita salada, pode parar, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Dizendo assim mesmo, sem paciência e competência pra rebuscar o verbo.

Achei um barato esse monte gringo, colombianos, equatorianos, ingleses, alemães, americanos, etc., dormindo em barracas, em carros, na areia da praia, em hotéis de luxo, albergues, diga o que quiser essas pessoas estão se divertindo na nossa casa, vão levar esses momentos para suas vidas, vão contar para os netos estórias melhores do que esse nosso repertório mequetrefe de latrocínios sem conta, de CPIs, injúrias, ameaças, difamações....

Ah, não, precisa haver algo mais, nem que seja futebol, fazer o que? Quem não tem cão... E depois, bro, sister, a Copa está presente, bateu na sua porta e entrou, incluindo os chilenos com um sorriso do tamanho da Guanabara, que vieram amontoados numa Kombi bradando:"chi chi chi le!".

Também no dia da abertura o tal menino foi resgatado pelo pai em meio a manifestação, e a cabecinha dele espumava pros curiosos: eu quero um governo! Mais a camiseta preta, a máscara, que tristeza....Pela madrugada, vai jogar vôlei, põe uma mochila nas costas e se manda pra Compostela. Radicalismo é um saco, unanimidade é burra e dizem que existe tratamento para obsessão.

Acredite se quiser, eles já postaram: não vai ter Olimpíadas! Inclusive com data para manifestação, em 2015. Haja paciência pra tamanha asneira....

Quem sabe se a felicidade desses estrangeiros todos, nossos hóspedes, nesse prazer quase infantil (ou demente) de se apinhar num estádio e gritar "gol" em sotaques diversos não nos ensine alguma coisa, sei lá o que. Mesmo que seja um grande show de marketing, que as cartas estejam marcadas (sei não....), e inda que nosso país tenha mais disfunções do que sementes num morango, está tendo Copa, percebe?

O pau comeu em todas as capitais, a mídia não mostra, nos veículos alternativos exibiram um Adônis inglês com duas balas de borracha no peito, o dó, a imprensa internacional desceu a lenha e....?

Nossas opiniões não valem 10 réis de mel coado face a essa gigantesca estrutura em movimento.

Torço pelos canarinhos com um pé atrás e uma aguda saudade de Pelé, Tostão e Jairzinho.

E, toda vez que eu vejo os "alienados" entornando o caneco e cantando, seja nas cores verde e amarelo, sejam quais forem, me vem o santo clichê que um monte me alivia: é melhor ser feliz do que ter razão.




(Imagem: Amos Sewell, 1952)






 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 17/06/2014
Reeditado em 06/04/2021
Código do texto: T4848737
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