A PRIMEIRA VEZ

Eu sempre fui, e acho que ainda sou, alguém que atropela os pensamentos. Sempre estou na frente deles. Imagino, em cada ação desenvolvida, que as pessoas envolvidas saberiam exatamente o que eu poderei praticar na sequência.

Isto, com certeza, muitas vezes, acaba dando confusão.

E certa feita deu.

Como presente do nosso primeiro aniversário de casamento eu resolvi dar a mim e a ela uma viagem a Buenos Aires.

Nunca tinha arredado os pés deste Brasil imenso, e nem sabia a experiência de elevar meu esqueleto pelas alturas e transportá-lo perigosamente para outro local através de avião.

Os preparativos para a viagem se acomodaram em várias malas. Uma pequena para mim e quatro grandes para ela.

Já no embarque tive que pagar excesso de bagagem, e com o cú na mão percebi que a aeronave deslocou-se do solo bastante inclinada, exatamente para o lado em que estavam as mochilas dela.

O avião engasgado deu umas chacoalhadas bruscas, acho que era para engolir melhor as bagagens, resmungou bravo qualquer coisa, seguindo viagem já bem acima das nuvens.

Fiz de conta que não era por causa de minhas malas que o avião reclamava.

Cagando de medo rezei fervorosamente pedindo proteção dos anjos alados que estavam de plantão, e no meio da reza um tanto puto da vida pensava:

- Puta que o pariu, por que será que as mulheres precisam de tanta roupa para fazer uma breve viagem?

Finalmente a aeronave toca as patas no chão argentina, e o provo do bojo do avião emocionado aplaudiu. Pelo jeito aquela multidão também cagou de medo durante o voo. Ao descer, tanto tinha sido o medo que passei que, quase levei o acento do avião grudado na bunda.

O taxista ao acomodar as malas com dificuldade malcriadamente perguntou:

- Es um cambio?

Não entendi, fiz-me de surdo, mas pelo tom grosseiro desconfiei que ele estivesse perguntando se era uma mudança.

O taxi estava em movimento em direção à cidade quando então o brutamonte pergunta.

- ¿a dónde vas?

Isto eu entendi, porque eu conhecia esta frase numa música romântica em espanhol, e de chofre respondi.

- A um hotel.

Eu tinha o endereço comigo, mas esqueci o nome do bendito hotel.

O taxista virou-se para traz e disse:

- un hotel! pero muchos están aqui!

Riu sarcasticamente e perguntou:

- ¿Cuál es el nombre y la dirección de lo que.

Não entendi nada o que o filho de uma puta me dizia, e por todos os meios tentei lembrar alguma música em espanhol onde aparecesse esta frase. Fiquei nervoso e nada veio à mente, e assim simplesmente, esticando o pescoço resmunguei:

- Ah!...

O satanás já estava nervoso com a situação, virou-se novamente e perguntou gritando pausadamente:

- La direccion!

Eu imaginei que o taxista estivesse tendo alguma crise de rim, uma labirintite, com o saco esmagado entre as pernas ou sofrendo um enfarte. Talvez esteja querendo que eu pegue a direção do taxi. De imediato respondi:

- Não, eu não posso, eu não sei dirigir!

Acho que o taxista ficou bravo por eu não querer dirigir para ele.

Ai eu vi labaredas pelas ventas daquele monstro ordinário que freou bruscamente o carro, pegou as nossas malas jogando-as na rua. Partiu feito uma filha de uma puta nos deixando a ver navios na calçada.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 21/06/2014
Código do texto: T4853792
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