MINHA CONFIDENTE

O texto a seguir foi extraído de “Crônicas da Vida Inteira”, livro inédito sobre fatos da minha vida, adaptado para o Recanto das Letras.

MINHA CONFIDENTE

Bem se diz que o arrependimento sempre vem tarde. Também pudera! Se viesse antes, ninguém faria coisas erradas. Naquela noite o sono demorou a vir. A consciência me acusava. A lição das espigas de milho continuava na memória, e eu rolei pra um lado e outro. Se descobrissem o meu esconderijo, eu estaria frito. Acabei dormindo enfim e me vi lá agachado diante do esconderijo. Nisso, ouço um psiu prolongado. Olhei, era a estátua de Nossa Senhora que, saindo de sua rigidez, me espreitava de dedos nos lábios e depois me falou baixinho:

— Em troca do teu serviço, eu vou te ajudar a guardar o teu segredo. Ninguém vai descobri-lo não.

— Se a Senhora me ajudar mesmo, eu vou arranjar tinta com o Irmão Luís e vou pintá-la. A senhora vai ficar novinha, ‘tá bom, minha Nossa Senhora?

— Combinado. Mas então pinta a pobrezinha da Bernardete aí também. A coitadinha está tão feinha...

— É claro que pinto! Pode deixar. Valeu, minha bondosa Nossa Senhora, valeu!

E parece que valeu mesmo. Valeu até um elogio do Padre Reitor, feito em público no salão de estudos, durante sua fala costumeira, o que me deixou até meio sem-graça no momento e constrangido logo depois, quando um colega invejoso quis associar-se a mim na limpeza da gruta.

— Ah, não tem serviço pra dois, rapaz — recusei prontamente.

Eu cumpri a minha parte, e Nossa Senhora, a dela. Todo aquele resto de ano e por todo o ano seguinte o meu depósito se manteve ignorado de todos. É claro que nas filas do lanche, pra disfarçar, eu pegava a minha parte, mas comia as bananas que trazia nos bolsos.

O que é que eu fazia das bananas distribuídas? Levava pros animais do viveiro do Irmão Luís. Ora pros macaquinhos, ora pras araras.