Um punhado de arroz e a lição vem depois

Sou apaixonada por programas de gastronomia. Quando eu paro para assistir televisão, é para esse tipo de atração. Não pense que é para aprender algum prato, ou que eu sou uma expert na arte culinária. Eu simplesmente gosto e não saberia explicar o porquê.

Dentre todos eles, o que eu mais gosto é o Masterchef. Já assisti todas as temporadas e se elas forem reprisadas, melhor ainda. Tudo começa dentro de um galpão gigantesco, com centenas de futuros candidatos ao posto de chef mais conhecido dos Estados Unidos. Pessoas oriundas dos mais diversos países (já teve gente do Brasil concorrendo) e culturas, apressando-se para prepararem algo revelador na frente de Gordon Ramsay (o carrasco das cozinhas, com estrelas Michelin no currículo), Joe Bastianich (um italiano de nariz empinado que sorri pouco) e Graham Elliot, o mais sutil dos jurados, em cinco minutos. Enquanto os candidatos passam pela prova de fogo, suas famílias aguardam do lado de fora, esperando que a porta do galpão se abra e o parente entre gritando, balançando um avental branco em uma das mãos, que para eles significa o mesmo que um bilhete da Mega da Virada premiado, já que duzentos e cinquenta mil dólares (o prêmio ao vencedor) não se ganha todo dia.

Pois bem, o último episódio que eu assisti aconteceu algo inusitado, que me fez refletir. Na cozinha bem equipada do programa, os sobreviventes disputavam a pressure test (prova da pressão), a última parte do episódio, que elimina um dos participantes. Uma das cozinheiras pegou um pote de arroz e obviamente não usaria aquilo tudo, deixando o outro competidor sem arroz para elaborar sua receita. Ela foi mais rápida do que ele na escolha dos ingredientes. Eles disputavam um lugar na próxima fase. Enquanto ela terminava seu prato, percebeu que seu adversário estava tenso, se virando como podia para fazer uma receita tão saborosa ou mais do que ela, mesmo sabendo que o grão faria falta. Mesmo sendo um dos desafetos do rapaz durante toda a temporada, ela deu um pouco do ingrediente que faltava para que ele pudesse terminar seu prato. O rapaz, ao invés de agradecer o gesto, tripudiou, dizendo que a culinária dela era pobre e que o dele era infinitamente melhor. Enfim, estava no papo.

Eles apresentaram seus pratos aos juízes. O cara já estava com um sorrisinho no rosto, como quem já soubesse os elogios que iria escutar. Errou feio. A menina solidária, mesmo sendo desprezada durante os meses de competição, recebeu críticas positivas. Os jurados provaram sua comida e teceram comentários animados. O dele foi criticado também, mas negativamente. Nessa hora, o sorriso se transformou em lágrimas contidas e um olhar quarenta e três de raiva para a oponente.

Resultado: ele saiu e ela ficou.

Quatro parágrafos e uma constatação pessoal: ganhar de virada é mais gostoso que brigadeiro de panela. É quase orgástico quando você se supera e consegue ser melhor e maior do que as expectativas dos outros. Tem gente que carrega uma fita métrica dentro da retina, te mede de cima a baixo e pensa que você não vai conseguir. Ok, você até pode desanimar e não chegar aonde quer, mas tenta. E não há nada melhor que ir além e matar meio mundo na unha.

Te invejarem por causa do teu carro, da tua casa, do teu moreno tatuado a tiracolo e do teu cabelo impecável e sedoso é fácil. Foda mesmo é o outro ter a ousadia na vida que você tem e que não consegue nem a pau. O outro se pinta, morre de malhar, se mata de trabalhar e passa as férias em Punta Cana, mas quando tudo isso acaba, se tranca no quarto e chora porque não sabe resolver a simples matemática que a vida impõe. Não é igual a você que se banca emocionalmente, taca um sorriso no rosto e vai à luta.

Ser melhor ainda é a pior ofensa, mais dolorido que tapa na cara e chute na costela.

ARYANE SILVA
Enviado por ARYANE SILVA em 30/06/2014
Código do texto: T4864695
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