Um tomate

Outro dia, me deu vontade de sair por aí... Nenhuma intenção específica, só respirar mesmo... Aqueles dias em que você fica arrumando motivo pra ir à rua, sabe? E fui ao mercado. É... Sei que existem outros lugares mais interessantes. Eu mesma detesto ir ao mercado. Dificilmente vou. E quando isso ocorre, faço tudo em menos de meia hora. Não fico pensando qual marca deixa mais branco, qual cheiro cheira melhor. Já levo tudo escrito, entro, compro, pago e saio. Tenho horror a ficar dentro de mercados...

Mas nesse dia, não sei... me deu esse ímpeto... Coisa boa isso, né? Você tem vontade de fazer uma coisa, vai e faz, mesmo que essa coisa antes era horrorosa de se fazer, mas de repente, num dado momento (e creio que só naquele dia... rs), a vontade vem...

Ao meu lado, meu irmão e minha filhinha. Minha filhinha pululando pelos quatros cantos: "compra isso, mamãe! Compra aquilo, mamãe!"... “Olha o chocolate que eu gosto!”... "Mamãe, você não vai acreditar, eu vi um biscoito todo recheado de morango, com bolinhas coloridas."!!!!!!!!!!!!!.... “Mamãe, eu quero esse biscoito, esse pacote de bala, esse pirulito, esse pacote de salgadinho... esse, esse, esse, e mais esse... Compra, mamãe? Por favoooooorrrrr!!!!” ...(Doces,salgadinhos, biscoitos recheados, e todas as porcarias deliciosas para a maioria das crianças... ) ...

_ Hum.

_ Compra, mamãe!!

_ Não!  - (Mãe Malévola em meu ser).

_ Por favor, mamãe...

_ Tá. Dessa lista toda sua aí escolha um item apenas.- mãe, tentando mudar a história de malevolidades....

_ Poxa, mas eu PRECISO de tudo isso.

_ Era pra ser nenhum. Mas já que eu trouxe você comigo, escolha um item e não se fala mais no assunto. - (Mãe "Benlévola?)....

_ Dois itens, mamãe?

_ Tá. Pêra.

_ Ô, mamãe, pêra não!

_ Maçã?

_ Não quero!

_ Então nada de biscoito, ou coisas dos itens de sua lista.

_ Tá. Maçã, então.

Não, caro leitor, isso não é chantagem. Nem bondade, nem maldade.  É justiça saudável materna.

Continuando.

Meu irmão, ao meu lado. Em silêncio. Incrivelmente, paciente... Observando cada coisa que eu comprava sem dar nenhum palpite. Também inédito isso... Praticamente, um anjinho barroco... Obrigada. E aí, depois de comprar tudo o que eu achava que deveria, olho para a banca de tomates:

_ Ah, esqueci de pegar tomate – digo.

Meu irmão fica parado, minha filha idem. Eu pego um tomate, pego outro, olho a qualidade. Decidi por um bem bonitinho e que me olhava com cara de “me leve pra casa”... Peguei um saquinho, embalei-o, dei um nó e coloquei meu tomatinho embalado, lindo, no carrinho de compras.

Meu irmão: boquiaberto. Olhos arregalados.

“Ah, não! Um tomate?!! Você vai comprar UM tomate?!! Por que isso? Ninguém compra apenas UM tomate!!”.

( E aí entendi o silêncio dele enquanto eu comprava o restante. Ele estava o tempo todo reparando no “tanto” de coisas que eu comprava. Carrinho cheio,ok.  Mas cada item que eu escolhia, era de forma unitária, ou praticamente unitária. Uma ou  duas cebolas. Uma cabeça de alho. Uma abobrinha, um pacotinho disso, um outro daquilo....tudo em pequenas doses...)

E achei engraçado. Disse a ele que morávamos uma pessoa e meia em casa. E que aquele tomate daria prum molho de dias e mais dias. E ele balançou a cabeça e acabou rindo também. Segui ao caixa. Paguei, depois passei em outros lugares e voltei para casa.

Já em queridíssimo recanto, sozinha, lembrei-me da cara do meu irmão (um chef  por hobby, daquele tipo que faz de alguns simples ingredientes e temperos, virar um jantar digno de rei. Talento dele, eu não nasci com isso...rs)... E ri novamente do susto dele ao me ver comprando “apenas um tomate”...

E eis que me veio à mente uma crônica que eu havia escrito há uns meses por aí, depois que eu lera outra crônica (da Danuza Leão) em que ela falava sobre desperdícios, e sobre a questão de comprar somente aquilo que se consome. Ela também falava, no texto, sobre a compra de “apenas um tomate” que virou uma entrada elegante num jantarzinho, com uma amiga.

Na crônica em que escrevi a partir dessa da Danuza Leão, eu tinha deixado um tom melancólico... e ao mesmo tempo indignado demais... Porque meio que não concordei com o que ela dizia. Achei bem tipo crônica de quem está criticando quem enche a geladeira, quem compra o que tem vontade... E eu não gosto disso. Acho que se a pessoa tem condições e está a fim, tem mais é de fazer o que tem vontade mesmo. E isso não impede que ela também ajude a quem precisa e ainda não desperdice o que comprou... Ou seja, uma coisa é desperdício, outra é suprir as necessidades da família, das pessoas que moram com você, ou de você mesma. Mas depois pensei bem e vi que a crônica de Danuza apenas refletia um momento, uma fase, não era crítica, nem nada, Apenas um registro. E aí... Lá veio a melancolia...

E esta melancolia, foi complicada, porque, naquela leitura, mergulhei profundamente numa das tantas vidas paralelas não só minhas, mas creio que de todos nós... E me lembrei de quando minha casa era cheia, muita gente, filhos, parentes, cachorros (de verdade! Ai, saudade da Lilica e do Snoopy), tartaruga (nosso querido Donatello)... Casa com movimento, e muita, muita gente... Não todos os dias, claro, mas quase sempre aos finais de semana, em algumas datas... Portanto, muita, muita comida, tudo na medida (ou em exagero para alguns) para o tanto de pessoas que consumiriam o que se comprara.

E nessa de melancolia e lembranças resolvi não postar a crônica.

Mas agora, perto do almoço, ao fazer minha salada, deparei-me com o tomate (inteiríssimo) e, em minha cabeça, a imagem: o susto do meu irmão, de nós dois rindo, e de que agora, em minha casa moram ‘uma pessoa e meia’...rs... Portanto, as compras não são mais quilométricas. São na medida mesmo. Repito: Um tomate. Uma abobrinha, uma cabeça de alho. Duas cebolas, duas pêras (sim elas entraram no carrinho), duas ou três maçãs... E por aí vai... Se eu comprar qualquer coisa em excesso, realmente vai pro lixo, porque, simplesmente, não existe número suficiente de seres aqui dentro para consumir tudo... E isso, aí sim, acharia errado. Comprar para depois depositar no lixo.

E então. “Nossa!! De novo eu viajando em meus pensamentos por causa de um tomate? De duas, uma: ou tenho algum problema ou esse digníssimo está pedindo para ser registrado.

Não, você não tem problemas. Obrigada. É apenas um tomate querendo ser eternizado. Entendeu, Pink? Sim. Entendi, Cérebro.

Portanto, em homenagem ao meu único tomate na geladeira ou na fruteira, aqui vai um conselho do próprio (sim, do tomate!). Meu povo, aproveite quando sua casa estiver cheia de gente, quando você tiver muita pessoa que você ama ao seu redor... Porque assim, infelizmente... por vários motivos (e a gente entende todos)... as pessoas, com o tempo vão ‘raleando’, como diriam nossos conterrâneos paranaenses. Um filho viaja, o outro vai morar fora. Uma prima se casa com um extraterrestre e vai morar em Marte. Aquela pessoa que lhe dissera: nunca vou sair do seu lado, de repente, é pega de surpresa e tem de sair, porque tem de sair.

E nem adianta perguntar ao Universo. A resposta não vem. Ou vem, mas pra gente soa assim como: “porque sim” (como resposta de criança, não como propaganda de bebidas ou sei lá o quê)...

Caríssimos: a vida é cheia de “porque sim”... E que bom quando a gente entende isso e pára de ficar fuçando, esmiuçando, e culpando as estrelas e os céus. E aí vai viver, né? UFA! Demorou... rs

E nesse monte de ‘porque sim’ , de repente, sobra uma “meia pessoa” ao seu lado. O tempo todo. 24h. Falando pelos cotovelos. E conversando. E querendo te acompanhar ao trabalho ou em viagens. E te enchendo de agarrações quando você volta tanto do trabalho quanto das viagens, ou de uma ida à farmácia... Que quer saber qual batom você usa, qual a marca da caneta, o que você está está escrevendo, o que você está comendo, o que você fazia quando era criança, e qual o próximo episódio da próxima história que você vai contar antes de ela dormir, que filme irão assistir juntinhas, que roupa ela vai usar no ano que vem, ou no dia em que fizer 96 anos... Que vai ao bvanheiro e fica  gritando para o país inteiro escutar que ela já fez o que tinha de fazer. E uma pessoa que só come fazendo careta, porque não gosta de frutas e legumes, nem de temperos, nem de uma pintinha estranha em meio ao feijão... e te faz sofrer nessa luta por uma vida saudável... E nessa luta, só abre a bandeira branca se no meio de qualquer coisa tiver carne (e com farinha!!!) Posso com isso?... Um ser que faz birra por causa de uma almofada, de uma tiara que não combina com a fita da saia, ou por causa do cabelo fora do lugar, e que faz de tudo para não dormir na hora certa, e que ainda vive te deixando em saia justa com perguntas e “tiradas” espirituosas, e que te enche o saco. E fala, fala e fala!!! Cara!!

A boa notícia é: ESSA PESSOA é a melhor encheção de toda história da humanidade , até porque te faz lembrar de encheções semelhantes... (Eu tive mais dois seres quase idênticos a esse, que também me encheram e me enchem até hoje...rs... E aí você ama mais ainda essa mini pessoa)... Ela te acorda com um sorriso todos os dias, chova ou faça sol, esteja você ou não com sono, ou cansada por  ter trabalhado até às três da manhã... ela te sacode e diz: “BOM DIA, MAMÃE!”... E quase sempre grita um “DEUS TE ABENÇOE, MAMÃE”!

E quase todos os dias: "Mamãe, já amanheceu, o que vamos fazer hoje pra gente ser bem feliz?"... Às vezes,isso  acrescido daquela frase que desmonta qualquer um, em qualquer momento: "Mamãe, eu te amo!"... (ai ai)

Uma pessoa que ama todo mundo. Acha a vida uma delícia. E respira energia, saúde, poesia, música e alegria.

Ou seja, esse minisser (que fez 4 aninhos e 11 meses ontem) tá valendo mais que muitas festas, almoços, trilhões de pessoas, e quilos e mais milhões de dólares de compras. Até pelo mercado inteiro.

Melhor: tá valendo pelo mundo todo!!

Obrigada, Deus.

É isso.

(Ah, obrigada também por tudo o mais. E principalmente por esse único tomate, que nem sei se vai virar salada ou molho. Virou meu amigo).


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