Antigos Afagos

Um sábado desses algo muito interessante aconteceu. Saia de casa de carro para buscar meu filho na igreja quando, já na saída do bairro, vejo uma senhora bem idosa caminhando na rua... só de roupão. Como tem um lar de repouso para idosos duas casas acima da minha logo me passou pela cabeça que ela devia ter fugido de lá. Paro o carro e pergunto se ela está bem.

- Estou mal, me responde. E segue caminhando seus minúsculos passos.

Eu, sigo com o carro ao lado dela, tentando perguntar prá onde ela vai, de onde é. Paro o carro novamente, bem na esquina, deixo o pisca ligado e sigo com as perguntas.

Ela fala, mas não entendo tudo, porque fala baixinho.

Por fim, ela perde o equilíbrio e se segura no carro. Eu desligo tudo e saio para conversar com ela.

Me diz que está indo para casa, mas não sabe me explicar onde mora.

Eu insisto em ir com ela. A princípio não quer, mas de repente aceita. Então sugiro que me espere ali, sem sair do lugar, para que eu possa estacionar o carro em lugar seguro. Ela concorda e faço isso, voltando em seguida para perto dela. Com meu filho esperando lá na igreja...

Ela segura com sua mão em meu braço e iniciamos a caminhada. Não sei para onde ela vai, mas não posso deixá-la sozinha naquela situação. Ela está gelada, treme de frio.

Perguntei seu nome e me disse ser Jorgina. Ela pergunta o meu e quando digo Rose ela me diz que é o nome de sua filha. Conta que caminhar na rua foi ideia da filha.

Eu pergunto onde a filha está, e ela diz que a filha saiu depois de colocá-la para a rua. E desfia um rosário comprido sobre sua filha estar lhe maltrando, que vai pegar um advogado e colocar um processo na filha. Que só porque está ficando velha a filha a maltrata. Enquanto fala, seguimos caminhando, devagar, pelas ruas do meu bairro. Eu preocupada também com meu filho e sem saber o que fazer com a velha senhora.

Então chegamos em frente a um portão. Ela diz que é ali. Eu tento achar uma campainha, e nada. O portão está cadeado. Pergunto se tem certeza de que mora ali e ela diz que sim, e acrescenta:

- Eu estou lúcida.

Por fim lembro que aquela casa tem uma entrada por uma rua de trás. Que, se for essa a casa mesmo, os fundos tem um portão e deve ter sido por onde a senhora fugiu.

Convido-a a voltar devagarinho. Ela concorda e segue reclamando da filha. Mas vejo que a cada passo fica mais exausta e o tremor de frio aumenta. Fico temerosa de algo acontecer com a velha senhora, por causa do frio.

Paro numa esquina e peço a ela que fique ali me esperando, que vou pegar o carro para levá-la para casa. Ela concorda e corro até onde o carro está, mas sempre espiando para que ela não saia dali. Ela parece tão desamparada, ali só de roupão, os cabelos branquinhos...

Chego com o carro e desço correndo para ajudá-la a entrar. E então sigo para o portão que fica do lado de trás daquela casa que ela me mostrou.

Estaciono em frente ao portão e vejo uma senhora. Toco a buzinha, ela olha mas não dá bola. Toco a buzina de novo. Ela não se importa, segue pela casa. Então eu desço e ajudo a senhora idosa a sair do carro. Ela também vê a mulher pela janela e diz:

- É minha filha.

Eu grito para chamá-la. Ela ouve, olha e percebe a mãe ali na rua. Desce as escadas e vem em nossa direção. Chega e pergunta:

- Mãe, onde tu estava, eu estava procurando você.

- Você que me mandou pra rua, eu fui porque você me mandou. E seguiu xingando a filha. Eu não sabia o que dizer, o que fazer. Ela não soltava meu braço e queria que eu a levasse até a casa, recusando a ajuda da filha que me disse:

- Eu nem vou dizer nada.

Eu tentava me soltar e passar ela pra filha, mas ela se virava e recusava que a filha a encostasse. Então expliquei que precisava ir. Tinha um filho me esperando e já era escuro. Devia tê-lo pego há mais de uma hora.

Ela me soltou, peguei seu braço e o coloquei no da filha e ia sair quando ela me agarrou e disse:

- Não vai embora sem me dar um beijo. E estendeu a face para receber meu beijo...

Dei-lhe o beijo e corri para o carro buscar meu filho que já devia estar preocupado lá na igreja.

Depois, já em casa, fiquei pensando na senhora Jorgina. Nas coisas que me disse. E se fossem verdades? Ela lembrava onde morava...inclusive citando que morava ali há 50 anos, que tem 83 anos e me contando o nome de seu esposo já falecido.

Duas coisas acontecem agora. A primeira é que me sinto em paz porque estava lá, no lugar certo, na hora certa, antes de ela ir para uma rua mais movimentada ou cair e se machucar ou mesmo ir para a beira do rio Itajaí, cair na água ou se perder pela vegetação ribeirinha. Ou mesmo se perder completamente pelas ruas. Mas.. a segunda... Não me saem da cabeça as coisas que ela me falou. E se for verdade????

Nesse momento, alguém me deu a ideia e eu estou criando coragem... vou visitar a velha senhora...

Maria
Enviado por Maria em 04/07/2014
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