A LOGÍSTICA DE DEUS

Beto estava prestes a sair para o trabalho. A pressa era tanta que ele não percebera que enquanto se arrumava colocou os trinta centavos em três moedas de dez que tinha, exatamente no bolso furado da calça jeans. Ao se movimentar, pelo menos uma das moedas cairia facilmente. Era a necessidade de arrumar quem tomasse conta dele. Beto não parava de pensar em conhecer uma mulher que pudesse o fazer companhia e, sem que fosse a obrigação dela, cuidar dos pormenores da vida social que as mulheres possuem mais habilidade do que os homens para prestarem atenção em falhas. O homem ansiava intensamente pela hora de conhecer a tal donzela. Pedia muito a Deus por isso.

De pé, já totalmente vestido, tênis amarrado e cabelo penteado, Beto passou a mão na pasta que usava para carregar seu possante notebook seminovo. O qual usaria para apresentar para seu cliente o trabalho arquivado em seu HD. Um trabalho de estatística, feito no Excel, que lhe valiam R$ 3.000,00. Dinheiro que ele não poderia deixar de ganhar, pois era o que precisava para quitar o cartão de crédito no mês. Rezava bastante, solicitando a Deus que não permitisse que nada acontecesse com o aparelho que ele carregava. Na carteira mesmo, Beto só tinha R$ 3,00.

Despediu-se dos que encontrou pela casa no caminho para o portão e se mandou para pegar um ônibus. Antes mesmo de chegar ao asfalto da rua, uma das moedas de dez esquivou-se pelo buraco do bolso da calça jeans e fez com que os R$ 3,30 que Beto tinha até então se subtraísse.

Subia a ladeira, estava atrasado, pensava em qual das opções de ônibus deveria optar. Ele tinha que chegar ao estabelecimento do cliente dele às 15:00h. A bem da verdade, tanto o circular quanto a linha que ia até o Centro, conseguiriam lhe deixar no local a tempo, guardando as condições ideais de trânsito, distância entre o local que saíra até o ponto da lotação e valor da passagem.

A preocupação com o valor da passagem se dava porque Beto estava com o dinheiro à conta e ele não gostava de se sentir pressionado. Não queria arriscar faltar algum centavo que seja para pagar a tarifa. Outra coisa que implorava a Deus que não permitisse acontecer. Nesse caso, então, ele preferia utilizar o circular, cuja passagem era R$ 3,00. Pensava ele que estaria com uma folga de R$ 0,30.

Porém, o circular dava muita volta para apanhar passageiros e nem sempre se podia contar de chegar ao destino, o primeiro ponto do bairro no caso, no horário certo. Coisa que naquele momento para ele era imprescindível e por essa razão ele lembrava-se de Deus a todo instante, pedindo a ele ajuda para chegar a tempo. O Circular podia ser tomado em dois lugares diferentes. Um, o da rodovia, era mais próximo do que o outro e poderia acontecer de ele pegar uma lotação de um de dois horários diferentes, tendo que para isso voltar um quarteirão para usufruir da linha que passava mais cedo. Assim ele não precisava se enervar com a demora que o veículo levava para chegar no ponto do shopping.

À passos largos e a balançar a pasta com a qual conduzia seu notebook, Beto cortava o vento, desviava-se de pessoas, virava à direita e à esquerda e rumava inconscientemente para o ponto do shopping. Teoricamente a pior das opções para aquele momento. Lá havia pouca gente aguardando, mas era um shopping. Sentou-se em um dos bancos vazios, ao lado de uma garota adorável, Sônia, com quem obteve a informação de que o ônibus estava para chegar. Conheceu a bela morena de cabelo caju e se tornaram amigos instantâneos.

O ateu Keith não teve sorte quando decidiu ir para o ponto da rodovia esperar o mesmo circular que Beto aguardava no centro comercial. Um bandido, aproveitando-se da solidão que se encontrava o local, afanou-lhe o celular e os quinhentos reais que tinha na carteira. No momento em que o carro que chega no primeiro ponto do bairro às 15h passava. O carro da linha que vai para o Centro passara cerca de dez minutos antes, mas para que Keith o pegasse ele teria que ter voltado um quarteirão dali. É o que ele teria feito senão tivesse chegado ali tão em cima da hora.

Quinze horas certinho e Beto descia no primeiro ponto do bairro para consumar seu encontro de negócios. Carregava ele seu notebook, feliz da vida por ter conhecido uma linda garota que trocou com ele o número do celular bastante promissoramente. Sem contar que a conversa com ela foi tão agradável que ocupou-lhe a mente de tal jeito que nem houve demora para aguardar a chegada do Circular no ponto do shopping. Afinal, o que é a espera senão falta de ocupação da mente?

E assim Deus se valeu de uma pesquisa operacional, sem usar o Solver do Excel, que atendeu na risca à demanda de pedidos lhe feita por Beto. O garoto andou um pouco mais da sua casa até o local onde tomaria um ônibus, mas nem sentiu. Ele temia não poder pagar a passagem, logo, por ter perdido dez centavos, ele foi automaticamente conduzido até onde ele poderia se valer da linha circular, dentre as opções de linha para utilizar que ele possuía. Ele também preocupava e orava solicitando pela sua segurança, devido ao fato de levar consigo um notebook valioso que continha o trabalho que ele iria vender para fazer as quitações que lhe afligiam. Para usar o Circular, Beto tinha duas opções e se ele fosse parar na da rodovia teria sofrido um saque que lhe tornaria ainda mais aflito.

Keith só foi abordado pelo meliante porque o local estava vazio, pois, provavelmente todos ali voltaram um quarteirão e usaram a linha Centro que chegara há dez minutos de então e fazia o mesmo trajeto dali em diante, apanhando todos pela frente e fazendo folgar as paradas do Circular seguinte. Por essa razão, Beto não teve problemas com as paradas para apanhar passageiro que poderiam lhe atrasar.

Deus, em sua logística, funcionou implacavelmente em função de Beto. Talvez também para os que foram retirados do ponto da rodovia para entrar na linha Centro e até para Sônia. Mas, e Keith, o que faltou para Keith? Talvez oração e fé. Deus não precisa do Solver do Excel para estabelecer destinos, mas precisa que aqueles que desejam contar com seu atendimento mantenham contato. E nunca se deve deixar de agradecer!

Dia cumprido. Cansativo. Muita andança. Hora de dormir. Beto já estava pronto, de pijama e ajoelhado na cama. O outro dia seria parecido.

– Obrigado, meu deus, por tudo que resolvestes para mim neste dia e por tudo que sei que resolverás amanhã. E obrigado pela fé que me destes.

Orava Beto.