O SEGREDO DA MINHA JUVENTUDE

Crónica

Tive o privilégio de nascer e crescer numa das épocas mais interessantes do século XX com a acrescida vantagem de ter nascido num dos pontos da terra mais natural e deslumbrante, mais exactamente em Cabinda.

O meu parto foi natural, na minha casada e assistido por uma amiga da minha mãe.Nesse tempo cresci na companhia de animais como chimpanzés, papagaios, osgas, camaleões, répteis e uma variedade de pássaros que interagiam comigo sem me molestarem.

Andava de calções e descalço na rua, onde passava muito do meu tempo de ócio e banhava-me nas águas quentes sem poluição, da baía.

Com os meus companheiros jogava à bola de trapos, andava de trotinete e brincava à macaca, apanhada ou às escondidas. Apanhava pombos vivos e com uma fisga atingia passarinhos por inocência, não sabendo o mal que lhes causava.

Dormia numa casa de madeira sem forro e apenas com rede nas janelas e a porta no trinco. Tomava banho num chuveiro improvisado com um balde que pendurava por um cordel, adicionando gotas de creolina à água para desinfecção evitando que as pulgas se introduzissem na pele, entre os dedos dos pés e fizessem seus casulos. A água utilizada nas nossas lavagens era tirada duma cacimba (poço) com um tom barrento, tendo de ser filtrada para consumo.

Os alimentos eram praticamente biológicos e só consumíamos bacalhau, queijo e vegetais que mensalmente chegava da Metrópole (Portugal) em barcos de carga. Era por esta mesma via que circulava a correspondência.

Não havia televisão, teatro, telefone, nem internet, apenas uma grafonola que só funcionava com corda que se carregava por uma manivela. O meio mais rápido de transmitir uma notícia era pelo morse que só os correios ou as forças armadas dispunham.

Até aos anos 60 fui considerado cidadão de segunda categoria por ter nascido em África e ser filho de colono. Fui impedido de ocupar qualquer lugar público por interferência da Pide que entendeu, acertadamente que eu era contra a situação.

Foi esta vida muito natural sem excessos que me preservou a minha saúde e sobretudo me criou bons hábitos que ainda hoje mantenho.

Ruy Serrano
Enviado por Ruy Serrano em 14/07/2014
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