Menino mau, mal

Na varanda da casa o menino brincava alegre com seu cão peludo e grande, a grama verde dava coloração de alegria quando contrastava com as cores de flores inúmeras e raios do sol, sua roupa branca e azul deixava a imagem parecendo uma pintura de um artista alucinado esquecido da realidade. O rosto angelical do garoto fora surpreendido pela voz doce da mãe o chamando para tomar o suco natural de laranja, ele não vai ao suco, então o suco vai até ele, transportado pela empregada vestida a caráter, esta com cara de cansada, porém com um enorme carinho pelo menino, enquanto o menino tomava o suco e jogava o que restou na grama, ela o olhava como olhava pra Jesus na igreja, esse menino é tão bonzinho, pensava.

A gangorra balançava, o cachorro com a língua de fora assistia a cena, um leite com chocolate e alguns biscoitos vão até o menino, porque o menino novamente não foi até o lanche. O sol já ia se arrumando para partir, seus raios deixava em tudo uma coloração laranja, cena típica de filmes onde brancos se beijam e vivem felizes para sempre. O final da tarde deixava o quintal da casa mais bonito ainda, aquilo tudo era lindo, o menino, o cachorro, o resto do lanche largado no chão simbolizando uma fartura desejável a todos, a roupa limpa suja de barro e grama da melhor qualidade, era o mundo real maravilhoso de Bob.

No entanto do lado de fora do portão, um menino sentado cutucava os dedos do pé, a outra mão coçava a canela “russa” e ferida, o rosto maquiado de sujeira não escondia aqueles olhos esperançosos e lacrimosos. Ele viajara ali o tempo todo, durante vários dias, do outro lado das grades do portão, do outro lado da rua, no meio fio, na poeira do asfalto, no descaso da mãe, no pai desaparecido, ele viajava na fome de comida quente, de comida descente, de arroz com feijão e bife, na repulsa das bolhas do seu pé pelo asfalto quente, na fritura e trituração do seu corpo, na falta de sorte de ter nascido, como dizia sua mãe, na injustiça como dizia os homens do palanque.

Era Claiton José quem assistia toda aquela bela cena do quintal, menino homem, apenas oito anos, trabalhador, sobrevivente, sustenta a mãe alcoólatra, não estuda, tentou, mas não dá, não se estuda sem caderno, condenou a professora à ignorância, vendedor de picolé, sem infância, brinca de sonhar, de imaginar.

_ Coitado, olha a carinha dele, dá cinquenta centavos...

_ Não filha, brincar com este tipo de menino, pode pegar doença, ser roubada, da próxima vez apanha eim, e você saí daqui do parque, muleque! Infeliz!

Menino estranho, cara feia, bravo, inconformado, invejoso, rancoroso, menino mal, mau, mal criado, batedor de carteira, devia é ser preso, já tem quatorze anos, moleque.

_ Não tem mãe não!?

_ Vou chamar seu pai pra te dar umas surras!

Menino desinteressado, perdido, drogado, preguiçoso, maconheiro, fumador de crack, assaltante, aviãozinho, esfomeado, traficante, vagabundo, presidiário, ex-presidiário, perigoso, lixo da sociedade, resto, estuprado, roubado, ignorado, vingativo.

_ SAFADO, FILHO DA PUTA!

_ TEM MÃE NÃO!?

_ VAI TRABALHAR, VAGABUNDO!

Com vinte anos e ainda não tomou juízo, ladrão, assassino, menino parado, cercado, espancado, morto, já era hora, é ruim de nascença, nasceu mal, mau, tem gente que nasce mau, vai pra vala sem lágrimas segundas ou terceiras, também que mãe iria querer um filho assim? Nem ela vai chorar.

_ Tem gente que nasce cruel né, esse aí eu via desde pequeno, nasceu mau mesmo, o jeito é matar, os policiais estão certos, tem tudo que morrer...

_ É, tem gente que só matando...

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Morreu na frente de todos, em pleno sol do rio de Janeiro, em plena campanha de paz, de PAN, mas não era João Hélio, não era de classe média alta, não era de banda pop, nem era artista de tv, era um menino mau, mal, tem mesmo é que ser banido da sociedade que só quer paz, só quer paz e faz de tudo pra isto, protestam, vestem de branco, blindam o carro, contratam segurança, gastam dinheiro pela paz, colam faixa, fazem cercas altamente protetoras, rezam, reúnem-se...

Constroem escolas? Levam biscoitos com suco de laranja? Misturam-se? Abrem-se pro mundo? Valorizam? Dividem pelo ao menos o excesso, o que restou, o resto, a sobra?

Não, mas pelo ao menos querem paz! Puta ignorância elitista!

Enzo Pinho
Enviado por Enzo Pinho em 16/05/2007
Reeditado em 14/06/2007
Código do texto: T488753