Os que ficam

Era pra ser apenas mais um corpo, não fosse a presença dos fotógrafos e das câmeras de TV. Um assalto, reação, dois tiros, alguns metros dirigindo até colidir com um muro. Chegou ao hospital morta.

Menos de duas horas depois, eram presos, numa favela próxima, dois bandidos, ambos adolescentes. Na casa, armas, dinheiro e celulares. E, no caminho, um rastro desconexo de peças abstratas: pobreza, marginalidade, inexperiência, impunidade, desejos, portas fechadas, ação impulsiva...

A violência, tão banalizada na vida contemporânea, ainda machuca. E a montagem desse quebra-cabeça está longe de ser finalizada. Às lágrimas — produto da revolta — se juntará o medo natural do amanhã, que virá com protestos, frases de efeito e carnavais mais tristes. E eu peço licença para não citar nomes: somos apenas personagens paradigmáticos dessa história urbana que se repete ininterruptamente, fora de controle e distante dos planos mais simples de felicidade.

Aos que vão, aplausos, estouro de bexigas e os votos de que este algo além da vida, que tanto alimenta nossas esperanças, seja realmente melhor. Aos demais, este ambiente claustrofóbico de saudade, incoerência e luta, que nos torna a cada dia mais secos, azedos, medrosos, desamparados, fenecidos. Mortos são os que ficam.