Tribuna sem responsabilidade

TRIBUNA SEM RESPONSABILIDADE

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 23.07.14)

A verdade é que, com a Internet, todo mundo tem o seu espaço para manifestações.

O problema é que se manifesta inclusive quem não tem o que dizer. Quem não sabe o que dizer. Quem não sabe escrever. Quem não sabe raciocinar. Quem só pensa aquilo que outros já pensaram. Quem aceita qualquer barbaridade, e a passa adiante, desde que atenda a suas inclinações políticas, ideológicas ou religiosas. Quem ouviu falar mas não foi a fundo na questão, nem mesmo para conferir fontes, veracidade e a credibilidade da informação. Sequer atentam para a consistência interna do texto, dos dados e das imagens. Se alguém disser (não precisa provar nada) que um gás proibido, conhecido pelo código secreto YK7-98, foi usado na Guerra do Golfo e que, por causa dele, em um pequeno vilarejo das montanhas no deserto iraquiano todas as crianças passaram a nascer com seis dedos em cada mão, e sete nos pés, elas alardearão ao mundo essa notícia que os serviços de inteligência dos EUA guardam a sete chaves como o maior segredo militar de todos os tempos.

A Internet dispensa até o "trabalhoso" processo de recortar e colar: basta compartilhar e a coisa voa longe. A Internet virou o paraíso dos teóricos da conspiração: "rápido, leiam e repassem antes que mandem apagar", "veja e repasse, nem a Globo mostrou, até ela está controlada", "verdade que a Ciência descobriu e o governo não quer que ninguém saiba". Por aí vai, todo mundo conhece isso. A Internet é ótima para destilar ódios e preconceitos, dadas a aparente proteção de um hipotético anonimato e a doce sensação da mesma impunidade que condenam nos políticos.

O que essas pessoas fazem é exatamente desacreditar uma facilidade que poderia servir como meio de conhecimento e libertação. Fazem o jogo que supostamente combatem. Ao invés de raciocinarem, reproduzem tudo que lhes chega e sentem-se participantes das decisões do mundo; influentes em suas redes de contatos; confortáveis por agirem, mesmo sem levantar da cadeira nem produzir uma única palavra. Só repassando o que outros, semelhantes, lhes mandaram.

O nome da coisa

Honestidade é o fator que permite a discussão saudável de qualquer assunto. Honestidade intelectual. Se não adulterarmos fatos, estatísticas e informações, se não forjarmos argumentos e imagens, se não distorcermos princípios e a História, se tivermos senso crítico para filtrar o que recebemos, se nos armarmos de conhecimentos básicos sobre a vida e sobre o tema da conversa, se aceitarmos as evidências que se apresentarem, podemos - e devemos - discutir desde futebol a ideologias, desde religião a política, desde cores até mulher.

Jamais poderei discutir ditadura, por exemplo, com alguém que admita que um pouco de tortura, umas mortezinhas ali e acolá, um tanto de censura fazem bem à sociedade e ao País.

Com honestidade intelectual até gosto se discute - sem que ninguém se sinta ofendido ou irritado.

Escolas de idiomas

Você pode aprender inglês ("# 1, indeed"), espanhol, francês, alemão ou italiano em qualquer cidade de porte médio do Brasil. O japonês também já está amplamente disponível. Houve época em que, mesmo nos EUA, conhecer o russo era questão de sobrevivência profissional. Esfarelada subitamente a União Soviética, quem agora se impõe, e exige seu conhecimento por parte de quem deseja o sucesso, é o mandarim. A despeito de também integrar o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e Sul-África), a China é grande demais para ser ignorada e produz todo tipo de bugiganga para o mundo todo. Cosmopolitas que desejamos ser, não deixamos de aprender esses idiomas todos.

Só não dá para entender por que não existem, no Brasil, escolas de idiomas que ensinem português para brasileiros - conhecimento tão falto no País.

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Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados. A partir de 26 de agosto de 2013 integra o Conselho Estadual de Cultura, na vaga destinada à Academia Catarinense de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 32.

(...) aquele 1965 em que éramos jovens, românticos e puros. Incontaminadamente puros. (...) Havia uma visão do coletivo, que hoje se perdeu, como também se extraviou (ou até soa ridícula) aquele ideia de "salvar a pátria", de interessar-se pelos problemas do País e do mundo porque eles habitavam nossa consciência.

Flávio Tavares, "Memórias do Esquecimento"