Os suspiros da Terezinha

Meus tios, Antônio Cornélio e Raquel, moravam numa fazenda, no Córrego do Paiol. A cada ano a família aumentava, ora vinha menino, ora menina; todos recebidos com muita alegria. Na décima terceira gravidez, minha tia deu à luz uma linda menina que recebeu na pia batismal o nome de Lúcia. Nesse dia, estava eu, ali, presente, numa alegria incontida, pois fora convidada para ser a “Madrinha de Representação” da criança. Quanta honra!

Depois do batizado, administrado na Matriz do Divino Espírito Santo, fomos de caminhão até a uma certa altura da estrada. Depois, o jeito era seguir a pé, pois o caminho estreitou-se e só dava passagem para carro de boi ou carroça. Juntei-me às outras primas da mesma faixa etária, Terezinha, Luzia e a Dusanjos, irmã da neobatizada. Fomos correndo, à frente dos adultos. Um bom pedaço de chão e Dusanjos nos motivava a correr sem parar, dizendo que já estávamos chegando e que a fazenda era “mesmo ali”.

Fomos recebidas pela tia Raquel que curtia o resguardo e pelos primos, crianças e adolescentes, que ficaram com ela de companhia.

Chegamos cansadas, mas fomos direto para a cozinha, porque a Terezinha fora encarregada de fazer os suspiros para a sobremesa.

Varremos o forno de barro, que ficava numa coberta do quintal, perto da porta da cozinha, com uma vassoura feita de ramos de alecrim do campo. Os primos maiores colocaram a lenha, acenderam o fogo e, assim que se formaram as brasas, estas foram afastadas para as laterais, deixando o espaço central disponível para colocar os tabuleiros. Terminada esta etapa, os primos saíram do cenário, indo para outras ocupações.

Sob a orientação da “mestre-cuca”, nós, as meninas, fomos bater as claras em neve numa grande gamela. Colocamos o açúcar, ralamos a casca de alguns limões, untamos os vasilhames. Às colheradas, a massa bem espessa foi colocada no tabuleiro untado e levado ao forno. Enquanto isto, continuamos a preparar mais vasilhames para as próximas fornadas. Terezinha, a certa altura, alertou-nos de que os suspiros já deveriam ter crescidos e estar secos por fora começando a dourar. Corremos todas para o quintal.

A portinhola do forno foi aberta e o tabuleiro retirado. Estava limpinho! Os suspiros? Não havia nem um e só estavam as marcas de dedos que por ali passaram e raparam todos os suspiros, antes mesmo que assassem.

Que primos levados da breca! Tivemos que revezar o plantão perto do forno se quiséssemos ter a deliciosa sobremesa após o almoço de batizado.

***

Depois de uma razoável ausência, retorna Frei Dimão com seu humor interessante e, mesmo ficando nas "sandálias", dou-lhe a resposta alternando as estrofes:

Enquanto Terezinha suspira

ralando de sol a sol

umas boas férias você tira

e nada no corgo do Paiol. Frei Dimão

Esse corgo tem um feitiço

Que nem posso lhe contar

O juízo fica em rebuliço

Quando nele fico a pensar. Nanda

Sei que também no teatro anda

vivendo a dramaturgia

mas o que quero, boa Fernanda

é que evite qualquer orgia. Frei Dimão

A primeira personagem

Numa velha me desmaio

E numa segunda roupagem

Já sou uma “mãe de maio”. Nanda

Como ando bem complacente

e eivado de benemerência

vou esperar que se apresente

para u'a pequena penitência. Frei Dimão

Espero mesmo de coração

Que light seja seu lema

Sem muita aporrinhação

Que atrapalha meu esquema. Nanda

Quero que evite qualquer traste

e que diga de bom coração

que de namoro de paiol se afaste

tal como corre do de portão. Frei Dimão

Pode ficar sossegado

Que pus fogo no paiol

E o portão tão alquebrado

A culpa foi do espanhol. Nanda

Vou estabelecer uma tabela

e que seja tudo anotado

como beijos deixam seqüela

só as curarei com meu cajado. Frei Dimão

Dizem que beijos dá sapinho

Será que isto é verdade?

Me dá só um remedinho

Pra me dar imunidade. Nanda

Sei que andas casando neto

portanto, comporte-se bem

receberá assim meu afeto

e o beliscão como convém. Frei Dimão

O afeto eu quero e muito

Mas de beliscão eu tô fora

Se está com este intuito

Vou saindo sem demora. Nanda

É bom que se mantenha casta

fugindo e esse turbilhão

que a pureza da alma gasta

e bem só faz ao garanhão. Frei Dimão

Frei Dimão, o que é isto?

Que pensamentos retrógados

Aos carinhos eu não resisto

Com beijo e abraço alternados. Nanda

Para resistir à tentação

Ouça bem o que agora lhe falo

mantenha os olhos presos ao chão

e nem olhe embaixo de cavalo. Frei Dimão

Vou dizer pro Frei Dimão

Que está muito rigoroso

Me dê logo a absolvição

E o papo fica gostoso. Nanda

Você terá a recompensa

que tanto pediu ao Pai

Vê-lo-á em sua glória imensa

e por aí a vida vai. Frei Dimão

É isto o que mais espero

Nesta vida transitória

Do males me regenero

E vou cantar a vitória. Nanda

Chegará em suma altura

é o que digo redigo e biso

provará quando doce é a rapadura

que servem lá no Paraíso. Frei Dimão

Frei Dimão, vou confiar

No que está me dizendo

Eu não vou desafiar

As palavras do reverendo. Nanda

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 24/07/2014
Reeditado em 31/08/2014
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