Perdas

Eu sei que todo dia morre gente. Do mesmo jeito que nasce. É a tal lei natural das coisas. Mas, num intervalo que não chega a uma semana, morrer tantas pessoas que nos são caras, aí também já é demais! João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves e o Dr. José Alberto, parece que combinaram de se encontrar num local que, para muitos, ainda é “incerto e ignorado”.

Dos três tive uma aproximação pessoal só com o Dr. José Alberto. Com os outros, os encontros foram mais literários, à distância, embora tenha tido, ainda que por alguns minutos, um contato vis-à-vis com João Ubaldo. O local foi Itaparica, a sua terra de nascimento, e que me proporcionou muitas alegrias na juventude. Vivi bons episódios por lá. Um desses foi o encontro com o grande cronista. Estava na praça em que ficava o bar que ele costumava frequentar, quando ele, de repente, apareceu. Ao reconhecê-lo sigo de máquina fotográfica em punho, pedindo o seu consentimento para registrar o momento. Muito gentilmente ele acede, e lá vamos nós para a sessão de fotografias. Conosco estava uma sobrinha neta, que à época era estudante do ensino médio, preparando-se para o vestibular. Joanna não resiste à tentação de dizer pra ele que lera um dos seus livros, em razão de fazer parte da relação que era exigida para o vestibular. Ele olha pra ela e diz: “- E fizeram essa maldade com você?”. Segundo os que privaram da sua amizade, pelas diversas matérias publicadas em razão de sua “partida fora do combinado”, era assim que ele reagia, sempre com muito bom humor aos acontecimentos do seu dia a dia.

Com Rubem Alves tive apenas um encontro presencial, em uma palestra, das muitas que ele proferiu aqui em João Pessoa. Fui seu leitor durante muito tempo quando escrevia na Folha de São Paulo, e os seus livros sempre estiveram presentes em minha cabeceira. Um dos seus textos que mais me deixou marcas foi o que estabelecia as relações entre os jogos de tênis e frescobol, com o casamento. No texto ele fala da ferocidade do jogo de tênis, que tem o objetivo de derrotar o adversário. E diz: “O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, é justamente para aí que ele vai dirigir a cortada”. Já no frescobol, “para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la”. E conclui o seu belo texto dizendo que “bola vai, bola vem – cresce o amor... Ninguém ganha, para que os dois ganhem”. Tal qual no frescobol...

Já com o Dr. José Alberto, a minha relação beirou a vida e a morte. Extirpou-me um tumor cerebral vinte e três anos atrás, livrando-me de dores angustiantes. A ironia do destino é que, depois de todo esse tempo, a velha cirurgia deu sinais de volta, o que me obrigou mais uma vez a permitir que um “ventinho entrasse em minha cabeça”, como diria o finado amigo, jornalista Arlindo Almeida. Desta vez não pude mais contar com seus cuidados médicos. Isso porque, depois de tantas cirurgias na cabeça de seus pacientes, morreu padecendo desse mesmo mal. Que Deus guarde os três.

Fleal
Enviado por Fleal em 24/07/2014
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