Elisabete e a Cultura

ELISABETE E A CULTURA

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 25.07.14)

Não deixa de ser uma situação "sui generis": na reunião do Conselho Estadual de Cultura realizada na tarde de segunda-feira, concluída às 19 horas, preocupados com a demora excessiva no lançamento das premiações, que deveriam ser anuais, alguns conselheiros pediram informações sobre a situação efetiva do Edital Elisabete Anderle, destinado a apoiar, com recursos públicos, projetos selecionados por comissões específicas, externas ao Governo, ligados a diversos segmentos das Artes e da Cultura. A Presidente do Colegiado informou que as propostas elaboradas pelo Conselho (minutas do decreto, do edital e dos regulamentos dos 11 prêmios, concluídas com o suporte de assessorias jurídicas do próprio Governo e encaminhadas em fins de fevereiro - há cinco meses, pois) ainda estavam sob análise da Casa Civil e ela não dispunha de informações sobre a data prevista para o lançamento do Edital.

No início da tarde de quarta-feira, porém, a imprensa noticia pela internet que o Secretário de Turismo, Cultura e Esporte (Estado que se pretende polo turístico internacional, Santa Catarina continua sem uma secretaria exclusiva para o Turismo) anunciou que o Elisabete Anderle finalmente será lançado na próxima semana. Na mesma ocasião, revelou que, depois de quase treze meses acéfala, a Fundação Catarinense de Cultura passaria a ter alguém novamente sentado na cadeira de Presidente. A escolhida é a Secretária Adjunta da pasta, Maria Teresinha Debatin (espera-se que ela não acumule as duas funções, prática que, está mais do que sabido, não tem mostrado resultados sequer aceitáveis na FCC), cuja nomeação foi publicada no Diário Oficial da mesma quarta-feira.

Na segunda, o Conselho igualmente desconhecia a novidade: não se achou que ele merecesse a deferência de uma informação oficial sobre a nomeação iminente.

O mais frustrante no anúncio do Secretário foi sua frase mortal: "O valor do prêmio será de R$ 7 milhões, o mesmo pago no ano passado". Baseado em dados oficiais do Orçamento para 2014, o Conselho propusera o ajuste da premiação para R$ 20 milhões.

Varejo cultural

Parece que o Governo do Estado prefere mesmo distribuir no varejo o dinheiro previsto em Orçamento, ao invés de privilegiar o apoio à Cultura pela prática transparente e democrática dos editais públicos. Em distorções sucessivas e cumulativas, os projetos dos agentes culturais (pessoas físicas, jurídicas ou órgãos públicos municipais, inclusive Prefeituras) passam pelo Conselho para cumprir determinação legal. Como sublinham certos gestores públicos, "apenas para deliberar sobre o mérito cultural das propostas, sem preocupação com aspectos executivos, políticos ou financeiros dos projetos em análise". Aprovados ou não nessa instância, a decisão final sobre quem vai levar o dinheiro, quanto e quando - e independente dos pareceres do Conselho - fica com a Casa Civil, ouvido um esdrúxulo Comitê Gestor.

O Orçamento

Os dados são oficiais e foram expostos com clareza em fevereiro de 2014, por técnicos da Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte, ao Plenário do Conselho Estadual de Cultura. Tratava-se de situação inédita: ao que consta, nunca antes o Conselho soubera qual o valor destinado em Orçamento ao Fundo Cultural.

A receita líquida disponível para compor o fundo único da Secretaria em 2014 é de R$ 187.438.000,00, distribuídos arbitrariamente entre o Turismo (41% do montante), o Esporte (33%) e a Cultura (25%). Dos R$ 46,9 milhões que cabem ao Fundo Cultural, 3,5 mi destinam-se às 36 famigeradas secretarias regionais; 17,0 mi para custeio e projetos próprios da FCC; 7,0 mi para o Edital Elisabete Anderle; 3,0 mi para o Edital Catarinense de Cinema.

Por fim, 16,4 mi vão para o varejo cultural dos projetos isolados.

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Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados. A partir de 26 de agosto de 2013 integra o Conselho Estadual de Cultura, na vaga destinada à Academia Catarinense de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 32.

(...) aquele 1965 em que éramos jovens, românticos e puros. Incontaminadamente puros. (...) Havia uma visão do coletivo, que hoje se perdeu, como também se extraviou (ou até soa ridícula) aquele ideia de "salvar a pátria", de interessar-se pelos problemas do País e do mundo porque eles habitavam nossa consciência.

Flávio Tavares, "Memórias do Esquecimento"