O tailandês

Você deve ter visto o tailandesinho dando uma lição de humanidade. Quem não viu? O conteúdo na rede é viral. Eu até larguei a breja pra prestar atenção. Eram coisas simples do dia a dia. Ajudar uma ambulante sem forças a empurrar seu carrinho de lanches. Tirar do próprio prato do almoço uma suculenta coxa de frango e dar a um cachorro faminto. Limpar a carteira para que o dinheiro impulsione os estudos da garotinha pobre. Pendurar um cacho de bananas na porta da velhinha necessitada. Tudo feito — com olhares de reprovação da maioria — por um sujeito pobre, que recebe em troca apenas emoções, um pouco de felicidade, um sorriso, uma lágrima. O vídeo é bastante interessante e vale a pena ver.

No balcão do Noguti, eis que sou tocado nas costas por uma jovem loura com um bebê no colo. “O senhor pode me dar um trocadinho?” A minha primeira reação foi dizer “não”. Nada mais irritante que alguém gozando de boa saúde preferir a esmola em vez do trabalho. Olho pra criança que parece bem cuidada, bem arrumada. Olho pra mãe e percebo que é jovem, forte, com cara de cansada. Mão na carteira, uma nota voa para o seu bolso.

O tailandesinho não apareceu aqui. Comigo? Até parece... Eu dei o dinheiro no automático, meu amigo, como se muda a marcha de um carro. Mas eis que vejo uma moça de azul perguntar no balcão se eles têm leite. Começo a bisbilhotar. “Morno”, a loura mãe intervém. Depois, vejo a mamadeira da criança sendo preenchida com um mistura de leite com Nescau. A jovem e seu filho sentados ao meu lado. A moça de azul lhe dando um salgado, um suco de laranja. Fazendo um carinho na criança que mama. Pagando a conta com satisfação. “Deus te acompanhe, viu?”, sai dizendo pra pequena família. “E sorte pra vocês!”. “Deus lhe pague”, responde a mãe, com a boca cheia de coxinha.

Saio de lá meio deprê. O tailandesinho poderia ter nascido em mim, mas nasceu na moça de azul. Vai ver encontrou um coração duro. E assim acontece todos os dias. Eu perdi a oportunidade. Ela não. Ela fez o bem. Simples. No seu dia, nas suas horas apertadas, numa oportunidade que apareceu, com boa vontade. Ela fez a diferença. Recebeu um sorriso, uma manifestação de felicidade, um “Deus lhe pague”.

Já em casa, pensando no ocorrido, eis que escuto alguém lá fora pedindo alguma coisa. Bingo! Meus olhos se arregalam. Escuto minha secretária dizer que vai ver o que tem. Eu desço na frente. “Xá comigo”. Pego um prato, cubro de arroz, feijão, um pouco de salsicha no molho, purê, tudo quentinho saindo do fogão. Alface, tomate, cebola. Subo a escada em direção à porta com olhos de satisfação, feliz da vida por ganhar uma segunda chance.

“Ué? Cadê? Onde foi parar o anjão?”, digo pra mim mesmo. Vou até a esquina. Olho para um lado. Pro outro. Nada. O cara sumiu. Pergunto à minha secretária. “Vai ver ele tava com pressa”, ela diz. “É... Acho que estava mesmo”, concordo. “Não deu nem pra esperar o preparo do prato, seu Geia? Mal-agradecido!”.

De modo a não perder aquele estado sublime de compaixão, tão bom, que já via fugindo na velocidade de um gnu, procuro no YouTube o tailandesinho pra me socorrer, a britadeira, o remédio de que preciso pra desmanchar este coração de pedra.