Remetente Universal.

Era pra ser um dia como outro qualquer, mas algo era diferente, um ar de não sei o que saia de não sei onde e rompia não sei como a esterilidade do tempo. As dores e os sorrisos ainda escorriam ligeiros pelas faces morosas e cansadas que palmilhavam entre idas e vindas ao périplo de cada dia. Tudo parecia normal como num dia cinzento qualquer onde as vidas debilitadas corriam pra longe dos seus donos numa fremência visível procurando se esfalfar sozinhas, sem plateia, sem aplausos, sem um olhar condoído, e ao mesmo tempo indiferente dos destinos próprios que riam delas em público sem pudor algum.

Mas não nesse dia. Esse dia tudo tomara outros rumos, outras cores, outros prumos, outros amores.

Nesse dia caíra uma chuva de bilhetes, entregue pelo remetente logo de cara, sem delongas, rodeios ou procrastinações. Vieram de supetão, passaram frente aos olhos, quicaram no coração e pousaram nos pés dos destinatários, era engraçado ver toda aquela gente estatelada, com olhar confuso e estupefato, como num ato coletivo todos observavam o chão e viam admirados e incrédulos seus nomes nos bilhetes.

Mas todos titubeavam com medo do conteúdo, mas mais uma vez o dia se impôs com a bravura de uma ventania circunspecta, sisuda impregnando toda gente, espalhando todos os bilhetes, trocando todos os nomes, era uma confusão só, uma correria estapafúrdia, um tromba-tromba, um empurra-empurra, ninguém sabia mais qual bilhete era de quem.

Então começa a gritaria, quem é João? Quem é Mario? Sou eu? Eu quem? Eu sou o Rubens. Eu não chamei nenhum Rubens dizia Júlia. Opa, Rubens o seu tá comigo, exclamava Laura. E novamente se instala o caos, aquela confusão vibratória e verbalizada de sons e falas, João procurando Maria, que acha Mário mais que encontra Rubens que procura Joana e todos se procuram.

Como se precisassem, uns aos outros, como se o véu do egoísmo caísse por terra e escorresse pelo ralo assim como faz á água na enxurrada.

Gritava-se, achava-se e se sorriam, como se dissessem obrigado por me procurar, por me achar. Obrigado por perder seu precioso tempo com a causa minha, doutro jeito não seria grato da parte que se cabe que esse sentimento não tome outra forma se não for à de um abraço.

E abraçavam-se, uns aos outros tal qual maneira como conhecidos de longa data. Era um abraço de silêncio absoluto, como se abraçassem toda vida, toda saudade que traziam no peito, todas as vontades, todos os medos, todos os projetos não realizados, todos os amores perdidos, todas as risadas contidas.

Era como se fossem transportados para os momentos nostálgicos da sua estória. O primeiro dia no colégio, o primeiro beijo, o primeiro amor, a primeira relação, e também a primeira decepção, o primeiro emprego, o primeiro filho. Tudo que de algum modo tenha moldado o ser do agora.

Algo era diferente, agora era uma bagunça arrumada, não era aleatório tudo se colidia em uma comunhão de olhares benfazejos, sorrisos e abraços resolutos. Eram centenas, mas com objetivo incólume, rasgar toda a indiferença, pisoteá-la, decapitar o egoísmo e jogá-lo aos lobos fraternos, despir o ódio e a inveja e deixa-los nus perante a plateia copiosa, sobre coro de vaias e ovações fervorosas clamando por justiça. O Amor então viria ante o povo como juiz imparcial e decretaria o veredito. Diria: Aos réus foram achado culpa, e cabe ao tribunal da felicidade zelar pela ordem e integridade das vítimas, serão julgados conforme as leis da generosidade, artigo quinto da força, inciso dois da fé, que diz que todo crime hediondo feito aos seus iguais, ferindo com dolo a fragilidade da alma humana, será repudiada com veemência, afim de preservar a ordem e a sanidade da compaixão.

Fica então fadado ao ódio e a inveja e qualquer outro sentimento maltrapilho que volta e meia ousa brotar no coração desapercebido de toda gente que, definharão perpétuos atrás das grades da benevolência, sem direito a visita de afetos e nem regimes semiabertos de gratidão.

E pouco a pouco os bilhetes foram sendo abertos, alguns relutavam mais a curiosidade é um sentimento assaz viril, uns guardavam no bolso, temiam pelo conteúdo, outros simplesmente abriram os bilhetes alheios.

E naquele barulho similar ao de pisotear folhas secas e o abrir de correspondência, os olhares iam se deparando com o conteúdo e as faces novamente se adornavam com sorrisos jocosos, como que de agradecimento, como filho agradecendo ao pai pelos conselhos certeiros no decorrer da vida.

Com uma singela letrinha vermelha centralizada no fundo branco, um texto enorme, o maior já visto, qualquer leitor assíduo ficaria chocado, os olhos não viam seu final, o texto era o mesmo pra todo bilhete, seu começo meio e fim dizia o seguinte: Amor, Amor, Amor.....

Andre Santana
Enviado por Andre Santana em 01/08/2014
Reeditado em 01/08/2014
Código do texto: T4905364
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