NUM SONHO

O texto a seguir foi extraído de “Crônicas da Vida Inteira”, livro inédito sobre fatos da minha vida, adaptado para o Recanto das Letras.

NUM SONHO

O prezado leitor... A distinta leitora deve lembrar-se da maneira pela qual eu aprendi a multiplicação por dois ou mais algarismos, conforme eu relatei em páginas anteriores na crônica “Pedagogia do Puxão”. Pois aqui vai outro caso interessante acontecido comigo nos meus saudosos tempos de estudante.

Eu sentia verdadeiro pavor das aulas de Matemática. Ainda hoje sinto arrepios quando me lembro delas. Nos dias dessas aulas eu já me levantava com tonteira. Os tais números relativos então!... Que tortura! Mais com mais dá mais, menos com menos dá mais, mais com menos dá menos... E eu errava tudo. Que loucura! Depois vieram os tais monômios e polinômios... Jesus, que suplício! Era zero sobre zero. O que eu conseguia digerir mais ou menos bem eram as tais razões e proporções, a regra de três, os problemas de juros e as equações de primeiro grau. Assim, no fim do mês eu sempre conseguia uma média cinco pra me safar do vermelho.

O professor, Padre Cláudio, era daqueles carrancudos, que não mostram os dentes pra ninguém, e o safado conhecia a capacidade de aluno por aluno. Com ele não adiantava colar, porque na aula seguinte ele chamava o suspeito pro quadro, e o cara tinha que se explicar ali diante da turma e da cara de gozação dele.

Tanto isso é verdade, que nos dias de prova, ele, que gostava de trabalhar na horta, entrava em sala de enxada, foice ou ancinho em punho. Às vezes ele mesmo transcrevia as questões no quadro. Na maioria delas, porém, ele entregava o papel pra que um dos alunos o fizesse, e saía pra horta com uma única recomendação:

— Quem terminar por último deixa lá em cima da minha mesa.

Um dia, quase no fim da aula, ele apresentou um problema no quadro e desafiou:

— Quem me trouxer este problema resolvido na próxima aula vai ganhar um dez no fim do mês.

Não lembro mais o texto do problema por inteiro. Só sei que falava de uma caixa d’água e não sei quantas torneiras que deviam enchê-la em não sei quantas horas, uma confusão danada. Eu o copiei por copiar, mas não ia nem tentar resolvê-lo. Pra que perder tempo? Se o homem, casquinha na nota como ninguém, lançou tal desafio, era porque o negócio era complicado mesmo.

Mas deixa estar, que a tentação por um dez foi grande, e eu, na hora de estudo da noite me pus a remoer o bendito problema. Pensei, pensei, de um jeito, de outro, nada. A coisa não tinha pé nem cabeça. Como é que eu ia saber o valor do x? Ensaquei o danado e passei pra outra disciplina.

A vontade por aquele dez foi tão forte, que à noite eu sonhei que estava lá na sala de estudos, tentando resolvê-lo e de repente ouço alguém me soprar: “Ô seu matusquela, atribua um valor qualquer pro x”. Fiz o que a voz me mandou, e não é que deu certo!?

De manhã, tínhamos novamente uns minutos de estudo antes da missa. Aprontei-me rapidinho e fui passar a limpo a solução encontrada no sonho. Atribuí outros valores pro x, e os resultados foram sempre os mesmos. “Bah, tchê!”, exclamei, imitando os colegas gaúchos.

Pela primeira vez na vida eu me senti ansioso pela aula de Matemática. Estava até tremendo de expectativa, embora me sobrasse certo medo do ridículo.

O professor chegou e correu os olhos perscrutadores pela turma.

— Alguém resolveu o problema? — perguntou, esboçando aquele sorrisinho de gozação, jurando que ninguém tinha conseguido.

Eu pensei que fosse ver muitos braços levantados, mas pra minha surpresa, ninguém se manifestou, e a minha dúvida aumentou. “Será que fui só eu?... E se eu estiver errado? Que vergonha!”. O professor insistiu, e eu, apesar da dúvida, me apresentei.

— Eu fiz, professor. Mas não sei se está certo.

— Tu, Pedro!? Pois tu nunca deste nada pra Matemática!

— Tentei, pelo menos — reagi meio sem-graça, ainda mais quando ouvi umas risadas de dúvida e caras de deboche, pois a minha aversão pela Matemática era notória.

— Então vem cá mostrar...

Eu tremia dos pés à cabeça, mas fui. E estava certo. Foi o único dez que a Matemática me deu. Por inspiração de quem? Não sei até hoje.