* Alô?!?! ... *

Hj meu pai me contou uma história, não foi daquelas que pais contam para o filho durmir... Mas bem que poderia ter sido:

Ela era sozinha...

Dava aulas particulares de inglês. Amargurada pela vida, se trancou, e nessa redoma, ninguém entrava.

O passaporte para dentro dela, estaria enfim, numa ligação "errada"...

Mulher de muita cultura, mas de uma frieza sem fim, ninguém para ela prestava e no alto de sua arrogância, presumia que também não precisaria de ninguém... Nunca!

O tempo passou, ela continuava culta, inteligente, mas ignorante nas suas relações pessoais... Tolinha!!! Mal sabia que ninguém é uma ilha... Ninguém é auto-suficiente o suficiente para ser só...

Os alunos foram se afastando, os vizinhos não se arriscavam à chegarem perto... Ela não dava chance para aproximação, dava medo em quem se aproximava, de forma que as pessoas se afastaram e foram terminar por esquecê-la.

A Solidão...

Enfim, a solidão batia naquela porta... Imagino eu, que ela sempre esteve lá, porque só nós mesmos, qdo sozinhos, sabemos o que somos e em que nos transformamos dia a dia, tenho por mim, que ela também sabia, mas...

Arrogância é uma coisa triste, jamais admitiria...

Sozinha em seu castelo imaginário, a solidão era sua companheira...

Junto com cachorrinhos que também eram ótimos, mas não sabiam falar, não sabiam abraçar, ela foi definhando em si mesma, se enchendo ainda mais de amarguras e ressentimentos de sementes que ela mesma havia plantado...

Lambidas, embora sejam gostosas, não são suficientes, ela sabia disso.

Um dia, cansada de tanta solidão, de tanta dor e sofrimento, a jovem senhora resolveu dar fim a isso tudo.

Comprou uma caixa de veneno e pensou: "Daria aos cachorros, seus únicos companheiros e depois, tomaria a sua dose final"

Quando ia fazendo acontecer seu plano, imaginou em como seria bom ouvir a voz de alguém... Somente um "Alô!", a muito tempo ninguém conversava com a dona do castelo...

Pegou o telefone e discou...

Números aleatórios que de números soltos, perdidos, se tornaram a salvação de sua vida...

- Alô?!?! - A voz de homem do outro lado da linha disse.

Silêncio...

- Alõ?!?!? - E nada...

Teria ela desistido?

Somente queria ouvir o "Alô" e mais nada?

Sim... Era somente isso que ela queria...

Não precisava de conversa, não precisava de ninguém...

Já ia desligando quando do outro lado:

-Alô?!?! Você não quer falar? Quando ligamos para alguém, é porque queremos falar, não é? Vamos lá... Converse comigo!

E a voz tímida disse: Alô!

A partir daí a conversa fluiu... Ela ainda na defensiva, ele com calma e carinho, fazendo-a falar o que estava se passando...

- Só queria ouvir alguém... Só queria ouvir um "Alô!", mais nada... Vou me matar esta noite, mas só depois de dar o veneno aos meus cãozinhos...

Ele mal podia acreditar no que estava ouvindo... Aquela mulher estava pensando em fazer "o que"?!?!!? Como alguém, um ser humano qualquer, pode ter em mente a idéia covarde do suicídio, meu Deus?!!?!? Como alguém que falava com voz tão macia, podia ter em mente idéia tão assustadora? O que estaria acontecendo com aquela vida que a deixava tão desesperada a ponto de tirar a vida de seus amigos (únicos) e a de si mesma?

- Não gostaria de conversar comigo, com minha esposa e meus amigos? Olha... Não tenho nada com sua vida, mas não creio que esta seja a solução que melhor se encaixe...

O que está acontecendo?

E ela não mais se importando com o que ele iria achar ou se fosse questionar, contou sua história, seu drama, sua dor e sua agonia, sua solidão, seu desespero...

Ele ouvia com paciência e ela se abria como nunca havia feito...

Seria sua última conversa?

- Minha amiga, vamos fazer o seguinte... Vou lhe dar meu endereço, o endereço da "minha igreja" e você vem até aqui e conversaremos, o que acha? Se eu não estiver por aqui, certamente algum amigo meu estará e te receberá com igual carinho... Você vem?

-Acho que não.

- Qual seu problema, amiga? Dinheiro? A gente ajuda! Moradia? Podemos ajudar nisso também... Seu problema é comida? Está com fome, amiga? Nós temos comida aqui. E então, você vem? Vamos conversar... Vem?

-Sim.

E realmente, no dia seguinte, lá estaria ela, ainda desconfiada, tímida, receiosa do que estaria por vir, mas se encheu de coragem e entrou...

Logo que colocou seus pés naquela igreja, ela pode ser reconhecida pelo pastor, amigo do homem que no dia anterior a convenceu a dar mais uma chance a ela mesma...

- Você gosta de café? O que acha de sentar-se aqui e me contar o que está havendo com você?

E como no dia anterior, ela se abriu e deixou que aquela pessoa entrasse em sua mente, descobrisse seus segredos, medos e receios mais profundos...

-Eu liguei um número qualquer, eu só queria ouvir um "Alô" e ia desligando...

-AMIGA, VOCÊ ACHA MESMO QUE LIGAVA PARA UM "NÚMERO QUALQUER"? ACHA MESMO QUE FORAM SEUS DEDOS QUE LHE GUIARAM? ACHA MESMO QUE DEUS IRIA DEIXAR VOCÊ? ACHA QUE FOI POR ACASO QUE LIGOU PARA A CASA DO PASTOR? ACHA QUE FOI POR ACASO QUE ELE INSISTIU PARA QUE VOCÊ FALASSE AO TELEFONE? QUANTAS PESSOAS VOCÊ CONHECE QUE FAZEM ISSO, MINHA AMIGA? QUANDO NINGUÉM FALA NADA DO OUTRO LADO, LOGO PENSAMOS SER UM TROTE E DESLIGAMOS... ACHA TUDO ISSO SIMPLES COINCIDENCIA?

Ela, então, chorava...

Conta-se que depois de algum tempo ela que, já dava aulas às crianças da igreja e já era amiga de todos por lá, se mudou...

Parece que foi morar na praia...

Seus cachorrinhos vão muito bem, obrigada!

Ela já não frequenta a mesma igreja, parece que não se enquadrou com os costumes daquela religião, mas...

Se enquadrou com as pessoas daquele lugar. Amigos, verdadeiros anjos, mensageiros da hora mais difícil...

A mulher do pastor é a voz que costuma ouvir, ora para comentar alguma fofoca quentinha, ora para contar das crianças, que finalmente haviam pego gosto pelo inglês e sentiam saudade da professora.

Hoje ela escolhe seus amigos pela alma e vive feliz da vida.

A Dona Solidão?

Puxa... Sei lá...

Parece que se mudou...

Não mora mais com ela.

Deus?

Ahhh...

ELE continua atendendo ligações.

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(Muitas vezes, somos usados como instrumentos de Deus, quando alguém espera uma mão estendida. Ou quando não espera... Nada!)

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- Alô?!?!

(História contada hoje pelo "Seu" Chico, meu paizão!)