Meu Canário Campainha

De muitas coisas me lembro com uma grande saudade, e uma vontade imensa de voltar no tempo, estar perto daquelas coisas simples, singelas, que ornamentaram a minha meninice.

Falar de pessoas é muito dolorido. Não quero coisas doloridas, pois o amor das pessoas que se foram, sufoca e faz pular o coração, e derramar água dos olhos.

O amor das pessoas é dolorido. Não quero lembrar nem falar daquilo que eu mais amei: Os seres humanos. Os seres que eu continuo a amar infinitamente, principalmente as que se foram, e que já não me podem tocar, nem serem tocados, ou trocar sorrisos e encantamentos, abraços e sentimentos.

Hoje eu não quero falar dos humanos, daqueles que se transformaram em luz, que embora não percebida, vêm ensolarar nossas vidas.

De duas aves me lembro, e como são belas quando somos crianças! Parece que a gente conversa até com o canarinho amarelo, e ele canta ao nosso olhar.

Eu tinha um canarinho amarelo campainha que mancava de uma perna, por isso eu fiquei com ele em uma troca.

Dei um brigador e fiquei com o campainha. Nunca em toda minha vida, eu ouví um canto mais bonito que o do meu canarinho amarelo.

Eu olhava para ele e ele cantava. Se eu não olhasse ele cantava tambem.

Cantava até na chuva. Ganhei muita aposta com isso. Ninguem acreditava que canário cantava molhado de chuva. O meu, dobrava o canto e encantava.

Acho que era porque tinha uma perna torta. Engraçado, não era um pássaro triste.

Nosso vizinho muito querido chamava-o de Beniamino Gigli. O apelido pegou, e na verdade nunca ouví alguem cantar tão belo como Beniamino homem, nem mais bonito que o meu Beniamino canarinho amarelo, campainha e de perna torta.

Na mesma época eu ganhei um frango índio de pena redonda.

Andava com ele enganchado no braço direito e saia pelas ruas da minha cidade, colocando briga com os frangos do mesmo tamanho. Batia e apanhava! Era valente e me dava muita alegria quando ganhava a briga.

Recordo até o dia que ele deu a primeira cantada. Minha mãe veio me acordar sorrindo, me pegou pelo braço e mandou escutar aquele canto sem graça, desafinado.

Ela me explicou que o canto era embuchado, porque ele ainda estava abrindo o gogó, e que iria cantar muito bem quando afinasse a vóz.

Fiquei muito feliz com a explicação da mamãe. Ela sabia tudo de galinhas, até conversava com elas, dava nomes, só faltava batizar, tanto que ela gostava de galinhas.

O galinho pena redonda crescia, brigava e cantava e acabou sendo o dono do terreiro.

Batia em todos os galos. Até no galo rode que minha mãe amava, e no garnisé "estraga terreiro" que ela protegia, por gostar do "garnisezim" , era como ela chamava o pequeno.

Me encantava o meu galo índio! Às vezes fugia até a padaria para comer pão velho, ou restos de mironga, ou ciscar com a galinhada.

Era muito querido pelas galinhas, por ser muito bonito e valente. Encarava até cachorro vira-lata, para defender as namoradas.

Namorava a galinhada toda. Fazia festa até com galinha choca, e pela tarde, no final, sobrava para o galo gigante da Jandira. Criado com muito mimo, no colo o tempo todo.

Usava até lencinho côr de rosa no pescoço e chapeuzinho de organdy, ficou muito delicado e se chamava "cherry", meu pena redonda ia lá e "chapava" o cherry.

Jandira morria de vergonha, mas perdoava o bichinho: O que não se faz por amor?

Terminou seus dias em uma véspera de natal, assado no fôrno da padaria.

Foi roubado pelo meu primo que era padeiro, e foi comido acompanhado de uma fina cachaça "Tabaúna".

Carmo ainda me deu uma coxa dele para eu comer, e o fiz com muita alegria. Estava muito bem temperado e assado.

Só não sabia que era o meu galo índio que eu tanto amava.

Foi um natal muito triste aquele, e um final de ano de pouco prazer, por causa do sumiço do meu galinho índio de papo vermelho e pena redonda.