Nos trilhos do trem

... Pouca terra, pouca terra, pouca terra, pouca terra...

Que saudade do velho trem cortando a nossa serra... Toda gente ouvia ao longe o barulho que rangia e o cheiro de fumaça e de mato que subia! Do balanço do vagão e do apitar, tempos de outrora, eu alcanço o meu lembrar por imagens que me afloram...

Elétrico, Diesel, Maria Fumaça... Este último (risos), quanta graça! Pena que partiu como a brisa que nos passa. No país que habitamos, só nos resta o metropolitano: tão lento e rude aos passageiros, faz que a massa então se grude ou se pendure nos maleiros! Abarrotado um por um cada vagão, com o trabalhador, coitado, empaçocado sem perdão.

Minha aventura começou quando um emprego se findou. Pra buscar novo horizonte fui atrás de outra fonte, e por pagar bem mais barato encarei andar de trem pela linha de Morato. Entre ponte e estação, solavanco e empurrão, aprendi nova lição: tanta gente diferente vai seguindo seu destino, e encara diariamente essa viagem em desatino.

Os carros estão sempre lotados: muitos em pé, poucos sentados. No alvoroço, todo mundo é parecido: se bom moço ou bandido, no legal ou no proibido! Só aguenta essa batida quem tem força de vontade; essa gente é tão sofrida cada qual em sua cidade.

No trem, caricato e fortuito é o comércio ambulante! Vender barato é o intuito e está presente a todo instante. Ofertam tudo o tempo inteiro, os chamados marreteiros: água, amendoim, bala ou brinquedo... É no gritar que está o segredo! Pois vender com o chacoalhado é só pra quem se equilibra, senão cai espatifado feito um fraco numa briga!

Alguns mestres marreteiros soltam o brado em poesia, parecendo um cancioneiro enviesado em boemia. Como esquecer o sujeito de muletas que bramia. Estufando e enchendo o peito sem parar ele dizia:

- Eu vendo Halls! Dropes que não faz “maus”, e é só três por um “reals”. Eu não sou cachorro não, mas eu faço “halls, halls”...

Cantando a melodia, ao sacolejo ele vendia... Transformava então o povo da carranca ao sorrir, com sua criatividade, sem maldade e nem cair! Pois aquele camarada de um acidente que sofreu, lamentou, mas não morreu! Foi penoso e recebeu uma perna engessada, mas tampouco se abateu por ela imobilizada!

Se há momentos na viagem de pura descontração, noutros tempos paira a escura sombra da preocupação. É o que foi pra toda gente enfrentar uma enchente! Era água a alagar todo o trecho de repente, e a composição travou vendo um rio a sua frente. Um por um se aglomerou, fugindo ao frio e à torrente. Saltando pelas ondas que invadiam sorrateiras, iam entrando em vários ônibus e fugiam de Caieiras! Sobreviventes e molhados, sem ter capa ou galocha; renitentes e obstinados, ao alcançar Franco da Rocha. E a viagem assim seguiu, à loucura que se viu...

Quanta gente luta nesse trilho dia a dia! A realidade é bruta pra quem usa a ferrovia. No comboio a vida é dura, diferente da novela: uma mistura de culturas vai se vendo à janela. O trem, que é de ferro, espalha a brita no batente, tendo a sorte que encerro e que é labuta a tanta gente!

Portanto, corra e busque pela linha! Intente firme em seu vagão... Quanto à condição que eu tinha? Ora, já é outra desde então! Que tal um encontro à tardinha, pra um cafezinho na estação?

... Café com pão, café com pão, café com pão, café com pão...

[Onomatopéias: inicial: cultura popular; final: Manuel Bandeira (Trem de Ferro)]

Danilo Rodrigues de Castro
Enviado por Danilo Rodrigues de Castro em 12/08/2014
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