QUAIS POMOS DE HESPÉRIDES

A abóbora, fruto da aboboreira, nem sempre dignifcada, como bem mereceria tão simpático pepônio. Conhe-cem-se muitas espécies de abóboras e pode dizer-se que são cultivadas em todo o mundo. A mais comum é a chamada abóbora porqueira, por a mesma servir de ban-quete aos porcos; é também a de maior porte, e a meus olhos talvez a espécie mais bonita, de um róseo doirado apetecível. Existem como acima foi dito, muitas outras espécies mais, entre elas a homem-abó-bora, mas isso já é outra história.

Mas é das rechonchudas e bem nutridas abóboras porqueiras que hoje eu quero falar, não que as outras estejam na minha admiração em escala descendente mas pelo contrário, especialmente a abóbora menina, pois ninguém mais do que eu aprecia um bom doce de abó-bora, umas filhoses de abóbora que me trás recordações tão meninas, dos meus meninos-natais.

Olhando dali do local que antes já foi largo da fonte da minha aldeia, em direção ao sul, que ao contrário do que se possa pensar nem sempre fica para o lado que correm as águas, veio-me uma vontade irreprimível de subir até à Sobreira, agora de estrada nova, para de lá após visitar a capelinha de Na. Senhora. da Paz, contem-plar o amplo vale onde corre o mesmo rio onde tantas vezes brinquei com meus companheiros de infância, e me deliciar com a visão, hoje desfeiada por certa espécie de árvore alienígena, que se chama eucalípto, mas ainda assim, sua beleza natural reconforta e faz pensar, que inigualável visão era outrora, vista dali do mesmo lugar.

Sobre um muro de pedra tão velho como o tempo, como diria o grande Aquilino Ribeiro estavam as dignas curcubitáceas, “fixes na sua integridade que nem vestais, barrigas ao léu, o ar estupefacto, o esferoidal caprichoso” à sombra duns sobreiros que sobre elas se debruçavam umas, um outro magote sobre o telhado de um velho alpendre junto à moradia que deverá ser de seu dono.

Confesso que me enterneci com aquelas simpáticas abóboras de bochechas de róseo doirado, cheias de beleza, saúde e viço e, que me davam a sensação de me espreitarem, como alguém que receia a visita de indesejáveis forasteiros, a quebrar a paz de tão puro telúrico, naquele sossegado e, intemporal lugar naquela tarde quente de verão.

Nada mais puro e digno do que uma inocente curcubitácea empulei-rada num muro de pedra a observar o raro visitante, indiferente ao seu destino que fatalmente será a barriga dum cerdo brutamontes, espécie sempre insaciável em seu voraz apetite, apetite que seu dono estimula, não por magnanimidade, mas para seu próprio proveito...

Pois, quais pomos de Hespérides, aquelas abóboras, ali estavam, inertes ao mutatis mutandis, num jardim suspenso e parado no tempo, onde a mão do homem ainda não tinha feito os seus estragos, dando-me a sensação de a qualquer momento rolarem com suas redondas barrigas pelos barrancos que se inclinam até ao rio que pachorrra-mente naquela época do ano, corre lá ao fundo.

Aquelas abóboras me pareciam querer dizer-me algo, talvez se queixar de sua solidão, do seu abandono, lembradas apenas no momento de seu supremo sacrifício.

Despeço-me daquele lugar, da Senhora da Paz, cuja festa certa vez me fez subir a enorme e íngreme ladeira e, recordo aquele dia com um gostinho a festa e paz.

Eduardo de Almeida Farias

do livro no prelo,( 200 pag.) O FAROL AO LONGE

Eduardo de Almeida Farias
Enviado por Eduardo de Almeida Farias em 19/05/2007
Código do texto: T492971