Romantismo

Luiz Fernando Veríssimo, ao definir um cronista o fez através de uma qualificação um tanto quanto questionável mais carregada de muito sentido. “O cronista é como uma galinha bota seu ovo periodicamente”

Por algum motivo, não sei se foram as jabuticabas, mas meu ovo andava um tanto quanto entalado. E minhas buscas cotidianas por novos temas através dos quais dou vazão à loucura que é o recheio da minha suposta sanidade, andava um tanto quanto infrutífera, até que hoje enquanto pacientemente aguardava na fila de um banco, me ocorreu uma lembrança...

Vou contar-lhes uma experiência psicopatamente pedagógica, que vivenciei em meu primeiro ano de faculdade.

Ainda inexperiente, explorando o novo terreno trazia comigo não só uma carga astronômica de entusiasmo, como também outra ainda maior de inocência. Naquele meu primeiro ano conheci uma jovem chamada Analice, jovem linda de olhos vivos e personalidade marcante, mas não tão marcante quanto as micro-roupas que utilizava ainda no calor de fevereiro, estudante do sexto período de fisioterapia era de uma popularidade incomum principalmente entre os homens, algo que em si já era suspeitável, mas que aos meus calouricos (não confundam com calóricos aqui trata-se da adjetivação do substantivo calouro) olhos passou desapercebido, erro pelo qual fui duramente penalizado.

A conheci, ou melhor, ela se fez conhecer por mim numa sexta-feira num daqueles barzinhos tão comuns nas proximidades de uma universidade, conversamos e bebemos ainda que o ultimo tenha sido em muito maior proporção, e nos tornamos neo-amigos.

E depois de um certo tempo lá estava, cara-a-cara com aquela mulher, eu a olhava buscando seus olhos enquanto ela fingia uma timidez forçada brincando com os dedos que abraçavam a Cuba gelada. Ela estava ali imóvel em minha frente esperando que algo fosse dito, ou feito, e eu procurava as melhores palavras no meu repertório romântico, que andava um tanto quanto desatualizado como pude concluir alguns minutos depois. Então eu disse:

_ Adorei te conhecer. Estou apaixonado!

Que declaração! Carregava um romantismo que eu classificava como doce, profundo e moderado. Já que a palavra “paixão”, segundo meu conceito, era menos significativa e mais irresponsável, do que amor, ou seja, mais adequada para se dizer na porta de um bar.

Os olhos que antes se desviavam me encararam de uma forma tão intensamente irônica e gélida que qualquer resposta se fez totalmente desnecessária. Mas ainda assim a dura resposta veio:

_ Ah cara! Apaixonado? Cai na real.

E me deu as costas e saiu a rebolar, e ainda extasiado fiquei a contemplar o conjunto pernas, saia e marquinha de biquíni, que acabara de me enxotar.

Quisera eu ter dito: “Quer ficar comigo gatinha?”

Teria eu sido muito mais bem sucedido naquele momento. Mas a dor passou, assim como os meses que se sucederam àquela traumática data, me trazendo mais prática e mais felicidade na nobre arte do cortejo universitário, e o tempo ou algum mecanismo de defesa me fez o favor de apagar tão infeliz ocorrido.

Até que hoje pela manhã enquanto esperava, em uma fila de banco que em si já é digna de uma nova crônica, escutei uma jovem suspirar enquanto lia uma revista feminina:

“O que foi feito dos românticos?”.

Confesso que como um raio, aquela lembrança me caiu nos ombros e me encheu de uma indignação infernal. Então quase a respondi, mas me contentei com uma divagação interna.

Onde estão os românticos? Bom! Estão todos por aí, exilados em um mundo que não admite sua existência, camuflados ou fantasiados de falsos playboys, Maurícios e Ricardões para serem aceitos por suas amadas, ainda que essas últimas tenham se tornado eventuais ficantes. (Aqui se converte em verso, expressando a irreal nostalgia do autor)

“Esperando que volte tempo das doces madrugadas

Quando cantavam versos seus

E debaixo das sacadas

Se diziam seus Romeus.”

Reginaldo Junior 19/01/2007