AS MUDAS QUE AINDA FALAM

AS MUDAS QUE AINDA FALAM

Vou contar uma do Chico Figueiredo, meu saudoso pai.

Pertinho de partir, de voltar para a coisa universal, ele me pediu para levá-lo ao Mirador, a fazenda que ele mais fez, depois das Caraúbas do velho João Figueiredo, pai dele. Velho pai d'égua.

Na passagem, trafegando pela Avenida Bezerra de Menezes, exigiu que eu entrasse na Secretaria de Agricultura, onde ele tinha mandado fazer um horto, quarenta anos antes, quando foi secretário de agricultura, obras e indústria e comércio, no governo de Parsifal Barroso.

Um horto. Produção de mudas de plantas de todo naipe. Coisa ainda do futuro.

Logo na entrada, o segurança perguntou quem era. Ele não pediu para que fosse dito que éramos duas autoridades (ele, Secretário de Agricultura que criou o parque e eu deputado estadual).

Simplesmente disse que estava indo comprar mudas de plantas.

O rapaz olhou e levantou o pau da entrada sem mais delongas.

Acho que confiou nos nossos beiços, cada qual maior.

Seu Chico, então, mandou que eu fizesse a volta em torno do prédio e encostasse a camionete no horto. Coisa de belíssima vista. Deitando os olhos de cima, você só via verde.

Desceu e disse para eu derrubar a tampa traseira da pick-up Chevrolet.

O tomador de conta, servidor antigo, logo viu quem era e perguntou quais as mudas que ele queria.

Aí, ele apontou o dedo e saiu dizendo :

- Bote tantas dessas e tantas daquelas e tantas destas e tantas daquelas outras e mais tantas dessas outras e mais aquelas dali e mais dessas aqui e mais...

E foi enchendo a caçamba da camionete sem deixar empilhar muda sobre muda.

Quando ficou cheia, pediu a mangueira d'água e xiringou todas as mudas até escorrer o barro na caçamba e pediu para cobrir.

Mandou contar e fez as contas, puxou o dinheiro. Nesse interregno, alguém foi dizer a alguém no gabinete e o tomador de contas recebeu a ordem de não cobrar. Ele disse que nunca tinha dado prejuízo ao estado e que tinha criado o horto para garantir a receita própria da Secretaria e que ele deveria continuar dando exemplo. Pagou e agradeceu.

Deu um abraço no seu hortêncio (era assim que ele chamava o velho porque o colocou lá para tomar conta do horto) e embarcou na boléia.

Quando ele mandou que eu fechasse a tampa da caçamba cheia de mudas, eu, tal como ele, engenheiro agrônomo, perguntei:

- E aí pai, vamos etiquetar as mudas para quando plantar lá no Mirador a gente saber o que é.

Olha só a resposta do mudante.

- Se preocupe não, meu filho, quando elas frutificarem os comedores vão saber o que é.

Todas elas frutificaram. Todas. Até as figueiras. Figueiredas.

E todos nós sabemos quais são os frutos.

Enviada do meu iPad