O FUTEBOL E OS POETAS MORTOS

O FUTEBOL E OS POETAS MORTOS (Leitura da noite)

31/07/2014 at 19:36 (*Liberdade e Diversidade)

poetas mortos

André Luiz Alvez*

Quando a Alemanha fez o terceiro gol, eu e meus amigos desligamos a TV e fomos jogar truco. Ninguém chorou, até rimos da nossa desgraça. Eu já chorei pela seleção, especialmente a de 1982. Hoje apenas lamento as derrotas e sinto vergonha. Chorar é para algo mais profundo, o sentimento de perda das coisas e pessoas que de repente deixam de existir e provocam no peito aquela angustia que só o tempo faz passar. Rubem Alves não temia a morte, mas sentia tristeza por saber que um dia deixaria de viver. E ele se foi. Como nunca gostou de caminhar sozinho, levou junto João Ubaldo Ribeiro e Ariano Suassuna. É quando a bola se transforma em prosa…

Sempre gostei de futebol. Quando eu era pequeno, era permitido escolher um time de cada Estado. Assim, em Campo Grande eu torcia pelo Operário, na escolha do restante, optei por times alvinegros, cujos uniformes lembravam o bravo Galo pantaneiro: Então passei a torcer também para o Botafogo e Santos, com uma pitada de carinho pelo Atlético. Meus amigos geralmente tinham outros times, mas quando o assunto era a seleção brasileira, nos uníamos numa festa em verde e amarelo. Eram os craques dos nossos times que entravam em campo em busca de mais uma conquista, com futebol arte, dribles, lançamentos, gols bonitos.

Atualmente a seleção é um bando de desconhecidos dos pés de chumbo. Saudades do futebol arte. Cresci ouvindo uma vinheta famosa antes mesmo do meu nascimento, que dizia: “A copa do mundo é nossa, com brasileiro, não há quem possa!”, exaltando a seleção de 1958, aquela que presenteou o mundo com Didi, Garrincha e Pelé. Hoje o futebol virou dos avessos e quem joga com arte é a Alemanha. Parece história contada por Chicó, personagem medroso e mentiroso criado pelo Ariano Suassuna, mas é uma triste verdade.

Suassuna dizia que “na minha terra, a morte é uma mulher e se chama Caetana. O único jeito de aceitar essa maldita é pensando que ela e uma linda mulher”. Demorou, mas enfim, Caetana levou Suassuna embora dançando um xaxado. Difícil para quem fica dançar, porque dança presume felicidade e perder um grande escritor, entristece. E não temos mais Garrincha, a alegria do povo, nem Pelé, Rivelino, Zico que estão aposentados e me pego numa frase do João Ubaldo Ribeiro: “cheguei à altura da vida em que tudo de bom era no meu tempo.” Não tem como pensar diferente, não depois de levar de sete dos alemães em pleno Mineirão.

A maioria dos grandes craques de outrora estão mortos, brincam de jogar bola do outro lado do mundo, naquele lugar desconhecido, temido, mas que talvez tenha muita luz e paz, onde o ar seja mais puro e que exista um campo de futebol com arquibancada e lá, bem lá no canto, agora se sentam Ariano, Ubaldo e Rubem pra ver a seleção jogar. “vai Garrincha” grita Ubaldo, “Olhe, o Sócrates está pedindo a bola”, completa Suassuna, enquanto Rubem se mantém calado, riscando numa folha de caderno uma nova crônica.