PRIMEIRA CARTA AOS MEUS FILHOS

Ainda era bem jovem, ao fazer uma viagem do Rio de Janeiro para o Recife em um vôo tranqüilo e confortável, quando as empresas aéreas, ainda primavam pela qualidade dos serviços e presteza vip, a todos os seus clientes.

Pude observar ao meu lado, uma família que também viajava, embora não saiba precisar qual era seu destino, no entanto deu para perceber a sua origem em virtude do forte sotaque sulista. Eram o pai a mãe e dois filhos; um rapaz e uma menina, um perfeito exemplo familiar. O carinho e o aconchego, com os quais se deixavam tratar, conversando, rindo e brincando contagiava a quem os percebia.

Ao sentir tamanha harmonia, reafirmara meu compromisso para quando eu viesse a ter uma família, pudesse construir um relacionamento fácil e que seria mantido por todo o tempo de nossas existências. Durante aproximadamente três horas pude observar com um imenso prazer o comportamento desses quatros personagens que sem se dar conta do meu olhar, tornou-se o alicerce para a minha base familiar. Só espero que aquelas três horas, que os acompanhei, tenham perdurado por todos esses anos, quiçá por toda vida.

O tempo passou, veio o meu casamento e com este, o meu primeiro filho, lindo, muito lindo, lourinho, olhos azuis, uma bela criança, dessas que eu jamais havia visto como recém-nato.

Quando completara um ano e sete meses, fizemos nossa primeira viagem, só eu e ele. Fomos a João Pessoa capital da Paraíba, aonde os meus pais o veriam pela primeira vez. Fez um tremendo sucesso entre todos os meus parentes. Na volta ao Rio de Janeiro, ficamos em Salvador, em um ótimo hotel; mais uma vez, fez um grande sucesso. Nunca vi tantas mulheres querendo alimentá-lo, me perguntavam se eu necessitava de ajuda, porque eu estava sozinho, como podia um homem cuidar bem de uma criança tão nova...

O que essas pessoas não sabiam é que eu havia me preparado para ser um pai, por isso me tornei diferenciado daqueles pais que estávamos acostumados a ver. Tinha em mente, cuidar dos filhos que viesse a ter, de maneira a lhes garantir segurança e capacidade emocional, para que no futuro, eles pudessem caminhar em perfeita sintonia com as diferentes variáveis que a vida nos oferece em um mundo dinâmico e de opções variadas. A todas, agradeci a presteza, mas, que cuidaria sozinho do meu filho, que a essa altura, dormia colado ao peito, envolto pelo transportador de bebes do tipo “canguru”, perpassando meu pescoço e amarrado sobre minha cintura, creio ser este o nome, já faz tanto tempo... Bendito invento.

No hotel, brincava, andava e corria, nos longos corredores, muito limpos e brilhosos. Quando caía, riamos juntos, porém eu não o ajudava levantar-se, olhava para ver se não havia machucado e rindo, mas decisivo falava: vamos levantar, vamos correr novamente, vamos brincar. Ele sorrindo levantava, e continuava com suas travessuras.

Enquanto dormia, cansado pelos trancos por sobre as paredes, eu pensava: darei toda assistência presencial que puder, só não interferirei, no seu modo de agir, na sua maneira de brincar; deverá tomar suas próprias decisões, cuidarei apenas de sua segurança e integridade física, acreditando, pois, que agindo assim, a criança se tornaria independente e auto-suficiente, na sua capacidade de decidir o melhor para si; como de fato veio se confirmar nos dias de hoje.

Voltamos ao Rio de janeiro e um ano depois veio o seu irmão, que fora muito aguardado por todos nós, agora a família passaria de três para quatro componentes. Esse com cabelo mais escuro e olhos castanhos arredondados, de uma beleza admirável. Seus traços eram mais vinculados aos antecedentes de minha estirpe, enquanto o mais velho era direcionado ao seguimento genético de sua mãe.

Os dois cresciam e aprendiam os nossos ensinamentos, com tamanha desenvoltura e às vezes nos surpreendia com o direcionamento de suas oratórias, sedimentadas na orientação franca e aberta a que lhes dispusemos e que até hoje prosseguimos com essa meta, no trato com a educação e a prática do conhecimento com relação à condução da vida por nós e pelos outros.

Desde muito cedo passaram a freqüentar os meios desportivos, pois sempre acreditei que o esporte precisa fazer parte na educação e desenvolvimento da pessoa humana. Procurei como pai, estar presente em todos os eventos nos quais participavam; fosse nas festas comemorativas, ou nas competições de judô; futebol, natação e outros, lá estaria para dar força e segurança, a cada conquista rumo ao caminho que escolheriam num futuro muito próximo. No esporte, onde mais se destacaram foi o judô. Ganharam Campeonatos Estaduais, Brasileiros, Internacionais e são detentores de nada menos que cento e vinte medalhas e troféus.

Muitos perguntavam como havíamos conseguido criar filhos tão educados e de boa índole, em uma cidade que tem tudo para desviar a conduta cidadã de jovens inexperientes. É fácil, respondia, basta ter o respeito e se fazer respeitar, dar o carinho necessário, a merecida segurança emocional e uma boa orientação para a vida. Embora não tivesse a certeza dos efeitos para essas afirmativas, creio eu ter acertado.

Por muitas vezes, os observava brincando, no playground do nosso prédio, que por sinal era perfeito, com ciclovia, piscina, quadra de esporte, salões de festas sala de ginástica e que por certo, tudo isso propiciara uma boa aprendizagem para a vida social que os esperava. Na ciclovia, desenvolviam altas velocidades nas bicicletas, e como havia uma curva muito fechada, por vezes caiam, iam de encontro ao muro de proteção, submetendo-me a grandes sustos. Mesmo querendo ajudá-los, ficava de pé a observar as reações advindas por parte deles, que se levantavam, percebiam que não estavam machucados, e por vezes perguntava-lhes, está tudo bem? Eles respondiam positivamente e recomeçava tudo de novo.

Hoje, porém, um já quase médico o outro já quase músico, sendo os dois alunos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, de que muito me orgulho, sinto-me um vencedor como pai, não só pelo êxito profissional que eles alcançaram e por certo muito mais alcançarão, porém pelo êxito como extraordinárias pessoas em que se tornaram. E o que fiz para que isso acontecesse? Acreditei sempre na potencialidade de cada um. Certa vez conversando eu lhes disse: falem sempre a verdade, mesmo que vocês estejam errados, assumam o erro, mas não digam inverdades, pois é acreditando na palavra de cada um, que vamos nos entender sempre e assim foi feito, até onde eu os conheço. Nunca disseram ir a algum lugar e depois irem a outro, sem antes nos comunicar. Sempre participaram de todas as decisões da família, das dificuldades e das glórias.

Às vezes que fui áspero com vocês e não foram muitas, creio ter sido, procurando acertar e acreditando fazê-los ter o melhor, do que eu tinha a oferecer como pai, homem e amigo.

A autoconfiança adquirida por vocês é com toda certeza, derivado de tudo que eu e sua mãe podíamos disponibilizar, para que se sentissem amados e protegidos, na hora em que estivessem necessitados desses componentes, para um crescimento edificante.

Acredito ter feito o que eu gostaria que tivesse ocorrido comigo, não quero com isso desmerecer meus pais, foram excelentes pais, embora menos abertos ao diálogo. Apontei o que julgava está certo ou errado sem, no entanto dirigir a minha opinião como uma assertiva, para que vocês pudessem ter as suas opções de escolha, apontei as facilidades, que nos levam do sucesso ao fracasso, da riqueza a pobreza e mostrei como é fácil, se ter hoje um lar e amanhã amanhecer nas ruas. Direcionei todos os meus esforços, para que possa galgar todos os degraus rumo ao sucesso; ensinei que devemos ter humildade, mas devemos também, manter a perseverança na busca as metas traçadas para nossas vidas e jamais perder o foco das nossas ambições pessoais, sem com isso, desmerecer e desrespeitar as tentativas dos outros, dentro de uma competitividade saudável, para obtenção de um perfeito equilíbrio econômico e emocional.

Deixo-lhes o maior legado que um pai pode deixar para seus filhos: a honestidade, a busca do sucesso através do trabalho empreendido, o amor que lhes devoto, a infinita amizade, e a segurança espiritual, meio maior do equilíbrio, entre o corpo e o espírito.

Sinto aproximar-se o momento em que cada um ganhará sua própria asa e seguirá o caminho que lhes ajudamos a preparar, para a longa caminhada pela vida e por isso lhes escrevo, com o maior prazer e sem repensar no que estou a escrever, isto pela primeira vez, já que tudo que lhes passo, é o que sinto e repetirei para quem interessar a mesma história, porque esta, residirá em mim até o último dia de minha estada na terra.

Quantas vezes eu pudesse, os teria novamente, vocês são o meu orgulho como pai e como homem, também pudera, filhos como vocês orgulhariam qualquer homem que queira e saiba ser pai.

Assim filhos meus, não permitam a quem quer que seja, o direcionamento de suas vidas; vistam o que quiserem vestir, comam o que quiserem comer, viajem aonde quer que queiram ir, realizem os seus sonhos, se tiverem à sorte de compartilhar, que o façam; mas, vivam suas próprias vidas, sejam felizes sempre, se encontrarem alguém com quem possam dividir essa felicidade dividam, só não permitam a interferência de quem quer que seja, caso isso ocorra no sentido de poda dos seus objetivos.

Não permitam que ninguém dite a felicidade para vocês, pois esta não se compra, se partilha quando vale apenas compartilhar e quase sempre vale, façam o que quiserem e puderem fazer, contanto, que isso lhes traga o prazer e não interfira no direito do nosso semelhante.

Aonde quer que esteja, vou rogar a Deus, para que seus passos sejam seguros, por caminhos iluminados e sem obstáculos para essa caminhada.

Eu sou o pai, que queria ser pai e buscarei sê-lo até o último momento. E nesse último momento, apenas uma coisa eu lhes pedirei: dei-nos as mãos, pai, filhos e espírito santos, a mãe. Que Deus os iluminem para a vida.

Um grande abraço.

Rio de Janeiro, 19 de maio de 2007.

Feitosa dos Santos