A BICICLETA PROIBIDA

A bicicleta exerce um fascínio enlouquecedor tanto para quem não sabe equilibrá-la por entre as pernas como para quem sabe, mas não a tem.

Eu tinha uma.

Bem... Não era minha, mas pelo cargo importante que exercia na empresa de engenharia, foi colocada a meu dispor uma linda bicicleta holandesa para que eu pudesse percorrer, e acompanhar as obras em construção.

- Cuide bem dessa bicicleta! Foi a recomendação severa que o dono da empresa fez para mim.

E que esmero tinha eu por ela! Ela era minha paixão!

Trepava nela tão somente para o exercício da profissão. Fora do expediente de trabalho, sábados e domingos, eu usava então gastar a sola do meu calçado.

O relacionamento meu com a magrela foi se tornando cada vez mais grudento, mais íntimo, ao ponto dela, quando chegava de minhas andanças, resmungar, tal qual uma amante enciumada:

- Até que enfim você chegou!

Às vezes ela concluía:

- Não gosto de ficar aqui sozinha, abandonada, gosto sim, de estar entre suas pernas!

Com o passar do tempo comecei a notar que ela estava um tanto diferente, não macambuzia, mas muito coquete para meu gosto, e já não mais reclamava a minha presença.

- Será que a danada estaria de caso com algum outro trepador? Pensei cá com meus botões.

O tempo passou, e um dia ela, só para me sacanear, delatou:

- A Laura anda me usando!

- Puta merda, então é por isso que ela não liga mais para mim! Pensei.

Aquela notícia foi como uma tijolada nos meus grãos.

No início fiquei possesso, quase encapetado; o sangue subiu e desceu fervendo pelas minhas veias e artérias; Os grãos do saco desapareceram, e senti um amargo esquisito na boca; Não sabia se dava uns chutes na magrela ou esganava a minha irmã.

Fui para dentro de casa, e passei uma descompostura amorosa em minha mana dizendo:

- Eu arrebento teus cornos se você ousar mexer na minha bicicleta!

Em parte eu não acreditava que minha irmã, pequenina de tamanho que era, magrinha, pudesse andar naquela enorme bicicleta adulta, masculina.

Mas nessa vida tudo é possível.

Para evitar controvérsias, a partir de então, ao deixar a bicicleta estacionada, eu tinha o cuidado de marcar no chão a posição exata dela. Ao retornar para usá-la, verificava se estava tudo conforme tinha deixado.

Passaram-se os dias sem qualquer alteração até que a magrela me segreda:

- Sua irmã continua me usando.

- Mas como? Perguntei atônito para a bicicleta.

- Tendo o cuidado de colocar-me na mesma posição que você deixou. Respondeu-me ela.

Quis matar a Laura, mas ela se aninhou na proteção do colo de minha mãe.

- Eu te esgano! Rangendo os dentes gritei para ela.

A partir de então, além de deixar a magrela posicionada, esvaziava seus pneus, tendo o cuidado de esconder a bomba.

Eu acho que minha irmã, além da proteção de minha mãe ela deveria ter a proteção de uma legião de anjos.

Todos os dias eu chegava, conferia a posição da bicicleta, enchia o pneu, e saia para o trabalho.

Apenas estranhava, ao estar enchendo o pneu, ver minha irmã toda nervosa por debaixo da cama.

Um dia veio a impiedosa revelação.

A bicicleta rindo, olhando para mim, comenta:

- Estou completamente dolorida e feliz! Sua irmã todos os dias vai por aí comigo, sacolejando pelas ruas.

- Mas como, se os pneus estão vazios?

- Por isso é que estou toda dolorida, concluiu a magrela para mim.

Chiu, chiu. A bomba gemendo encheu um e depois o outro pneu. Pensei furioso:

- Ou o pouco peso dela nada fez com que a câmera de ar se rasgasse ou os anjos safados carregaram a bicicleta no colo!

E, feito um possesso, locomovi meu esqueleto a fim de bater na Laura. Minha mãe se entrepôs entre nós.

Devolvi a bicicleta.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 21/09/2014
Código do texto: T4970524
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