O SONHO E O ESPELHO

Sonhei que caminhava sobre um espelho tão extenso quanto o oceano. Nada mais havia refletido nele além do meu corpo, o céu e suas nuvens. No horizonte, chão e firmamento se transformavam num só. Durante certo tempo, senti como se pisasse no próprio céu, ignorando se minha cabeça estava para cima ou para baixo. Em minha visão quimérica, o universo era todo azul celeste. Eu parecia ser a única coisa existente. Procurei pela minha sombra, aquilo que mais diverso de mim existiria naquele mundo, mas só encontrei o meu duplo, o inseparável e indiscernível reflexo. No espaço sideral cintilam as estrelas como pontos de referência, destinos que aguçam o desejo, planetas que pedem para que sejam preenchidos por criaturas imaginárias. Porém, sobre aquele interminável espelho, sumiram os lugares, os caminhos, os objetivos e só sobrou o espaço. Estranhamente, não me senti absolutamente só. Não me saia da mente que se eu insistisse em minha caminhada, num instante qualquer aquilo terminaria e encontraria um outro. Não sei até quando é suportável viver sem as coisas e se não são elas que me dizem o que sou. A partir desse momento, passei a me ver como um terceiro. Não era um olho. Tornei-me um olhar. Do lado oposto estava meu corpo e seu reflexo. O olhar queria dizer para minha alteridade que eu estava ali, definindo-me, independente das coisas. Para que isso adiantaria? Tudo estava fundido. O corpo do outro era o meu e eu era meu olhar. Narciso escolheu sua sina. Naquela situação, não acho que esta seria minha fortuna. O espelho que dá sentido era a causa da minha possível inexistência, da minha indefinição. Repentinamente, ele se quebrou e eu comecei a cair. Antes de tocar a Terra, acordei. Ainda estava escuro, embora já conseguisse ver uma singela luz penetrando pela janela. Aos poucos fui me dando conta de que existia...

Ricardo Toledo
Enviado por Ricardo Toledo em 22/09/2014
Código do texto: T4971299
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.