BRINCANDO DE SER DEUS

Quando eu ouvi essa história pela primeira vez, confesso que fiquei com a pulga atrás da orelha. Uma indústria do interior de São Paulo pretende fabricar milhões de mosquitos Aedes Aegypti. Na verdade, o objetivo que se quer atingir com o despejo de milhões desses bichinhos no meio ambiente é acabar de vez com as epidemias de dengue que assolam as cidades brasileiras, sejam ricas, pobres, grandes ou pequenas. São os chamados “Aedes Aegypti geneticamente modificados”.

Como funciona? Segundo dizem, a ideia é produzir de 8 a 10 milhões de mosquitinhos-mês, mas, com um detalhe: a fábrica só produz macho. Isso mesmo. Fêmea por lá não tem vez. E esses machos possuem dois genes adicionais. Não entendo muito bem disso, mas acredito que aí esteja o xis da questão. Quando forem soltos no meio ambiente, a cabeça de macho (e todo o resto, claro) só vai trabalhar pensando numa coisa: acasalamento. Vão correr atrás das moçoilas, e vão produzir ovos e pupas, aos montes. Será uma geração inteira de Aedes comprometida a não vingar e que será morta antes da reprodução. É o que dizem.

E dizem também que na Bahia a experiência já foi testada e deu certo. Caso você não saiba, somente a fêmea pica. Por isso a fábrica só irá produzir machos. E machos não transmitem a dengue. Assim, querem dar cabo de uma vez dessa doencinha de terceiro mundo.

A cada dia que passa a inteligência humana me deixa cada vez mais assombrado, perplexo mesmo, e até orgulhoso por fazer parte dessa espécie. Somente um ser dotado de uma inteligência pura, ímpar, densa, evoluída, sofisticada, hábil, poderia chegar a ter tamanha brilhante ideia: um mosquito para dar cabo do próprio mosquito; a civilização aedesaegyptiniana se autodestruindo. E mais. Não só ter a ideia, mas o know-how — sofisticadíssimo, imagino eu, para dar cabo desse projeto de criação: dar vida a um mosquitinho. E mais. Não só dar vida, mas uma vida de puro, embora efêmero, prazer, a criação de um mosquitinho tarado, que terá apenas uma função em sua vil existência: é... essa mesma...

Mas admito que era apenas uma pulguinha atrás da orelha. No fundo, no fundo, não acreditava que a coisa iria andar. Porém, outro dia, eis que vejo nos jornais que o prefeito aqui de nossa cidade — que foi assolada neste ano de 2014 por uma epidemia de dengue jamais vista —, dentre as principais ações programadas para evitar nova epidemia no próximo ano, está a compra de insetos geneticamente modificados para evitar a proliferação do mosquito e da doença.

Já estou até vendo. Pelo jeito teremos que nos acostumar com o Aedes. Serão milhões voando pelo nosso céu, pela Santa Teresinha, pela Dom Epaminondas, pela Feira da Barganha. Só que agora teremos os Aedes do bem. O duro é saber quem é do bem, quem é o mau. Macho? Macho deixa. Fêmea? Mata! Eu, hein.

O meu incômodo, na verdade, é muito mais uma falta de confiança. Até que ponto o homem sabe o que está fazendo? Lembro-me que os dinossauros de Crichton eram fêmeas, todos fêmeas, o que possibilitava ao homem imaginar que controlava de forma absoluta a sua reprodução. Claro: como eles iriam se reproduzir se faltava macho? Mas a natureza encontrou uma saída, e eles se reproduziram. A natureza sempre encontra uma saída. Não sei se a brincadeira de ser Deus, tão abusada pelo homem pós-moderno, vai ficar impune. Não sei.