SEGUNDA TRISTE

SEGUNDA TRISTE

Toda manhã, na aurora, saio de casa caminhando, até a casa de minha filha, para levar a neta a escola.

Abro aqui um parênteses, para informar aos leitores, que não tenho carteira de habilitação, e portanto, ao caminhar, vou enxergando o mundo de uma forma privilegiada, em relação àqueles que só andam com pés de borracha.

No caminho que habitualmente percorro, dois momentos sempre despertaram minha atenção :

. Há tempos, um casal de moradores de rua, fez sua morada sob uma garage coberta e recuada, de uma residência vazia. Lá, sobre um carpete creme jogado no chão, viviam com dois cachorros, muito bem cuidados, e sobre uma prateleira improvisada era possível ver, garrafão de água, alguns alimentos enlatados, pratos, panelas, copos e ração para os bichinhos. Sempre que passava, o casal dormia a sono solto, e os cães a seu lado, pareciam tomar conta deles e do espaço. Algumas vezes passei em outros horários, e o casal, ali estando, sempre me cumprimentava, e os cães abanavam o rabo. Por incrível que possa parecer, nunca me pareceram infelizes.

. Numa pequena rua, quatro árvores, Patas de Vaca, bem desenvolvidas, são moradia de uma infinidade de pássaros e os pardais nessa hora do amanhecer fazem uma senhora algazarra, o que muito me agrada, pelo sinal de mais um dia de vida. Quando comecei a fazer esse percurso, a cada árvore sob a qual passava, a cantoria de imediato cessava. Com o passar do tempo, creio por me identificar e supor que não lhes traria problemas, a palavra cantada não era interrompida.

Pois bem, hoje o dia não começou bem. O casal e seus cães não lá estavam. O espaço estava vazio, lavado, varrido, sem vida. Fiquei preocupado, pensando, para onde foram, será que estão bem,

foram retirados sem problemas, será que foram para algum albergue. Liguei para a assistência social da prefeitura e disseram que não constava nenhuma ocorrência. Onde estarão ?

Como se não bastasse, ao entrar na pequena rua, as Patas de Vaca sofreram uma poda radical, sobrando o tronco e alguns galhos, parecendo até um corpo, com os braços erguidos pedindo socorro. O silêncio tornou-se atroz, não havia mais algazarra, não havia

mais vida. Os passarinhos foram desalojados e, sem dúvida, obrigados a procurar outro abrigo. Onde estarão ?

E nesta segunda, de um céu cheio de nuvens, eu também fiquei anuviado e com os olhos marejando, chovendo tristeza, pela falta de vida.

Arnaldo Ferreira
Enviado por Arnaldo Ferreira em 29/09/2014
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