A janela

A JANELA

Ela abriu a janela, fez uma vistoria dos arredores e teve certeza que já era hora de assentar os cotovelos no parapeito e esperar o amado. Com um vestidinho de chita florido, duas tranças negras e um olhar que prometia e esperava, começou sua lida com o destino.

Menina ainda quase moça, viu o tempo correr, a família se multiplicava e sumia pelo sertão afora, os que chegavam de passagem trazia noticias de guerras, fartura e futuro. E assim ano após anos continuou, com os olhos fitos no horizonte, onde qualquer silueta desenhada pelo sol, renovava a esperança.

Mas de um jeito ou de outro, o tempo passava sem deixar rastros na poeira seca, somente nela mas isso ignorava. Ousou por algum tempo sonhar, tirou o vestido a tanto tempo guardado cheirando a traças, e nos cabelos a trança brilhava com óleo de coco.

O pensamento que não guarda calendário, nem fronteiras, fugia além de qualquer limite e a fazia sorrir pora um vento que lhe trazia novas esperanças em que se agarrava com força mas, nunca chegava a lugar algum. E assim foi, sem maldizer a vida, se fazia bonita, imaginando longos beijos e gritos roucos com o homem amado e esperado na janela.

Da janela viu as mudanças da natureza, o céu que beijava a terra seca com sua chuva abençoada e fazia com que todos saíssem no terreiro para dançar e cantar, ensopados pelo verde que nascia, as flores que floresciam, os bichos que corriam com a fartura, que todos sabiam mas, se enganavam era por pouco tempo.

Na mesma janela viu o solo secar, como gretas feitos desenhos no chão, via redemoinhos de vento levantar a poeira vermelha e cobrir tudo de tristeza e fome, rezando todos os dias por uma gotinha de céu.

As vezes sentia a presença do marido imaginado e tão sonhado ao seu lado, e quando se virava, ele esfumaçava no ar e a dor era tanto, que depois de algum tempo, ela não se virava mais tentado guardar mais um pouco daquela ilusão.

As noites sem fim e os dias intermináveis, foram deixando pouco a pouco trilhas de dor, frágeis sem serem correspondidos se perdiam no tempo que corria sem dar chance do amor chegar.

Mesmo assim a chama renascia, com mais força, tinha tempo de sobra, ainda era uma bela mulher, nos cotovelos os calos contavos os anos passados ali a espera, com a janela aberta.

As vezes despertava para a realidade da espera na janela do tempo correndo então desanimada deixava as lagrimas correrem soltas lavando a magoa, depois enxugava com esperança e tudo recomeçava. Percorria os mesmos caminhos imaginários de braços e abraços com um homem só seu. A mente, mente o que queremos e ela queria alguém, a janela descascou a pintura da casa desbotou e ela sem saber como silenciava a paixão e o desejo numa viagem sem volta.

Chegou época em que o mato adentrou portas, invadindo os cômodos, enchia as fendas das paredes, subia pelo telhado, tentando alcançar o céu e a janela continuou aberta. Continuou protegida pelo véu do querer sem perceber que a sua volta tudo mudou, apenas a estrada dos seus olhos continuava igual. Vazia.

A saudade do que não veio um dia bateu mais forte, mas ela engoliu o soluço antes que saísse afinal era uma mulher madura, já com algumas marcas visíveis no rosto, não seria certo, chorar sem motivo. A revolução veio, mudaram-se presidente, a tecnologia firmou lugar no futuro e ela na janela. É como se esperasse uma recompensa, se debruça mais e mais, tentando alcançar longe com a vista já cansada, é obstinada continua dia após dia, alongava-se a horas, diminuia-lhe a juventude mas, fiel permanece na janela á espera. A saudade de sua mocidade esquecida, á fez reparar nas varizes formando relevos em suas pernas, sua pele enrugada a boca murcha e o cabelo grisalho á deixam mais fragil. No horizonte um vulto deformado pelo calor que brota do chão em volto pela poeira vermelha vai tomando contornos. Ela aperta os olhos tentando enxergar longe o que de perto melhor se via, um homem e seu cão, ambos cansados da jornada sem fim, um dia aqui outro acola, as roupas puidas nos pés sandalias remendadas com barbante vai deixando pedaços pelo caminho. Ele para em frente da janela, e vê uma mulher sonhadora e judiada pela espera, ele que precisa tanto de alguém que cuide dele, que o amasse. Ela vê um ser solitario cansado das andanças, querendo pouso, e lhe ofereçe tudo isso no olhar. Mudos somente os olhos falam por eles, ele com medo do futuro, mais uma boca para sustentar, quando mal tinha o que comer naquela altura da vida era besteira, olhou para o câo como se pedisse conselhos. Ela reparou a mudança de pensamentos e se apavorou, sentiu sua ultima esperança fugir, quis gritar implorar para que ficasse, sentia no ar o cheiro do suor do homem a lhe invadir os sentidos, e penetrar nos seus poros. Quis gritar pórem, acostumada a calar-se, nessa hora falhou as benditas palavras. Se olharam mais uma vez ele dizendo adeus, ela pedindo, implorando que ficasse, ele se foi. Seguiu-o com o olhar até que a luz vermelha do sol no horizonte consumisse sua sombra, deixou uma lagrima rolar e fechou a janela pela ultima vez.

Luzia Rastelli

Luzia Rastelli
Enviado por Luzia Rastelli em 24/05/2007
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