Escravidão em Paráfrases

“Faze assim!” — É o que tentam ordenar-me com falsa harmonia de um cuidadoso interesseiro afeto. E certos de estarem certos de que assim farei quando imperativamente sugerem: “Faze assim!”

Contemplo-os então com “olhos de ressaca” em um misto de embriaguez e enfado, e travo-me, desobedientemente negando-me, como minha brava essência ordena. Em hipótese nenhuma farei assim!

É desse modo que regozijo-me: negando a ordem natural da ordenação e inobediente transgredindo e não acompanhando as almas enegrecidas de meus companheiros por honra à meus ancestrais.

— Explique-me: posso eu viver como transeunte mórbido pelas estradas da vida, como que num eterno parto de caminho único, onde a saída resignada da madre é a única opção?

De modo algum! Jamais farei assim. Apenas farei o que me convence minha própria consciência e suporta a robustez de meus castigados e experientes lombos. E disso me orgulharei, mesmo em face da chibata e do açoite eminentes. Honro minha nobre casta.

E se essa liberdade que almejo, nenhum que me critica é capaz de oferecer-me, por que ainda insistem em aconselhar-me com “Faze assim!”?

Para mim, ainda é mais louvável trilhar veredas enlodadas contra a brava aragem, cingir-me de trapos e caminhar até não restar carne à planta dos pés, que submetido fazer assim.

Se virtude há em minha existência, e se razão de vida tenho, essa é desobedecê-los. É na rapidez de um relâmpago, misturar-me ao verde das matas, sorver os aromas serenos do verde, pisar o macio do quartzo banhado em sal e água. Fora isso, tudo é vacância.

E assim sendo, de que modo podem os acomodados ou os opressores oferecerem-me instrumentos e audácia para demolir minhas muralhas? Como, se seu sangue é corrompido por uma história de podridão e fraqueza, baseada em falsas conquistas e opressão? Como, se idolatram o comodismo enquanto eu endeuso o distante, o mítico, o irreal, o difícil, a desértica fartura da Liberdade?

Deixem-me! Deem-me a paz! Retornais aos vossos campos e outeiros, à vossa terra e aos lares que os aguardam… às vossas senzalas! Lá, sigam suas normas na busca da alforria e dos ensinos mancos daqueles que desejam-vos o “bem”.

Eu, armado de minha conquistada Liberdade, ergo-a como “gládio e hasta”, como lanterna em meio às trevas, e fortaleço-me como semideus entre Hades e Eliseos, no eterno embate entre o que me diz a razão e o que me esbraveja a loucura.

Por fim, que não me venham mais com o flagelo da comiseração, clemente indulgência que não pedi! Do mesmo modo que não me solicitem elucidações nem a cartografia traçada do caminho que trilharei, muito menos ousem-me dizer: — “Faze assim!”

Minha existência agora é um turbilhão, é o cão de guarda do inferno solto no mundo, é o primeiro raio de sol da alvorada, é um elétron energizado… Não tenho ideia do que farei nem imagino como farei, apenas estou certo de que não farei assim!