Magali acordou cedo

Magali acordou cedo, antes mesmo de o relógio despertador disparar o alarme. Queria dormir mais um pouco, contudo seu desmensurado senso de organização e extremo gosto pela limpeza a fez decidir sair da cama. À noite tivera um pesadelo. Pesadelo não lembrado de imediato ao levantar-se. Foi ao banheiro, olhou-se no espelho e não gostou do que viu. Espantou-se ao perceber naquele reflexo um rosto envelhecido. Na noite anterior, antes de ir para a cama, enquanto fazia seu ritual de limpeza, se olhara no mesmo espelho e se achara linda, com uns vinte e três anos aparentemente. Agora, ao mirar-se naquele objeto inanimado e revelador, pensou consigo: Nossa, nesta noite foi como se passassem vinte e dois anos, pois estou me sentindo com quarenta e cinco anos. Mas o fato é que Magali tinha mesmo quarenta e cinco. Porém, neste momento ela não gostava do que via. Intentou esmurrar aquele espelho, no entanto desistiu por que precisava de suas mãos saudáveis para poder fazer a faxina naquele apartamento antes que apodrecesse, tamanha era a sujeira que ali estava. Então, olhou-se mais uma vez, forçou um sorriso na esperança de que sorrindo recuperasse a imagem jovial, afinal ela sempre gostou do seu próprio sorriso. Não funcionou. Tentou sorrir naturalmente, forçando a mente a se lembrar de fatos engraçados, de uma piada e, de novo, o resultado não a agradou, por que continuava com cara de quarenta e cinco. Quis gritar para que alguém acordasse e levasse até ela um martelo, um pedaço de pau ou qualquer outra coisa com a qual pudesse, de fato, quebrar o espelho, afinal ele não precisava ser tão cruel. E ficou ali, olhando, analisando cada ângulo do seu rosto, o grito parado na garganta e um questionamento no pensamento. Por que espelhos não podem simplesmente mentir ao projetar nossa imagem. Após minutos de reflexão sobre o comportamento e as características intrínsecas e extrínsecas desse objeto, concluiu que ficaria inimiga do espelho para sempre. Não mais o encararia e decidiu que, por não ser simpática à violência, não o destruiria, apenas o cobriria com um pano preto em sinal de luto e aversão total àquela peça ali na parede. Gostou da ideia que teve e agora sim, sorriu genuinamente. Lavou o rosto, escovou os dentes, sentou-se no vaso sanitário para fazer xixi e pensou: Esse sim é um sujeito gentil. Imagine o que ele recebe todos os dias ai embaixo; imagine o que ele vê quando olha para cima e, com tudo isso, mantém-se discreto e reservado em seu cotidiano. Concluiu ali sentada e relaxada que gostava de vasos sanitários, isso lógico, se eles estivessem limpos e cheirosos e continuassem com seu comportamento de verdadeiros cavalheiros. Magali ficou um bom tempo sentada no vaso, mesmo depois de esvaziar completamente a sua bexiga, aparentemente sem pensar em mais nada. Finalmente pareceu acordar de um longo sono, espreguiçou-se e disse em voz alta: Gosto de vasos sanitários. Levantou-se, secou-se, vestiu a roupa, lavou as mãos e lembrou-se da faxina e de quanto trabalho tinha pela frente. Neste momento, desejou não gostar de lugares limpos e cheirosos.

JANET VITAL
Enviado por JANET VITAL em 08/10/2014
Reeditado em 10/11/2021
Código do texto: T4991887
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.