Crônicas de Chronos

I

Um barulho na porta, um rangido na soleira por trás dela. Pareciam pés pesados de um homem grande. Julgo pelo que ouço, meus olhos ainda não o contemplam. Mas minha alma parece que já até o sente. Não sei se devo abrir. Posso fingir que não há ninguém.

Batidas sutis de quem está certo da habitação dentro do ambiente.

Toc, Toc...Toc, Toc...

Estas batidas aos meus ouvidos ressoam em outro som... Tic, Tac...Tic, Tac.., talvez.

Estou parado. Se ando, haverá barulho. Posso me denunciar para o grande que está por trás da porta. Ele nem entrou ainda, e já me paralisa. Como reagir? Tenho tantas coisas para fazer, muitos compromissos a respeitar. E este alguém aí fora, sem nem entrar direito já me impede tanto.

Mas, e se ele entrando tronasse uma grande ajuda? Mas e se eu tiver que me deter em fazer sala para ele? E se ele veio me oferecer coisas que não quero? E se eu gastar com ele o espaço que teria que cuidar das coisas que são minhas? E se ele quiser ajuda? Eu tenho tanto pra pedir ajuda, como posso oferecer ajuda?

Preciso tomar uma decisão. Será que tento me mover?

Toc, Toc...Toc, Toc...

Em outro som... Tic, Tac...Tic, Tac.., talvez.

As janelas estão abertas. Se ele caminhar até elas vai me ver. Estarei me expondo. Saberá que estou em casa e não atendi. Verá que não quero atende-lo. Vou expor toda minha culpa. Vai fazer um juízo sobre mim, não é isso que eu quero. Por mais que seja o que sinto, não quero que saibam o que sinto.

Poxa! Esse senhor, ou jovem, não sei. Este grande homem que está aí fora já atrapalhou tanto a minha vida nesses minutos que me gasto pensando se o quero realmente aqui.

Mas porquê em minha porta? Porque não deixa um bilhete sobre a porta? Porque não foi visitar outra pessoa? Porque não veio em outra hora? Quando eu estivesse desocupado.

Já estou irritado! Será que desistiu? Parece haver silêncio! Será que funcionou? Ufa! Vou poder dar conta dos meus afazeres, sem visita... acho que deu cer...

Toc, Toc...Toc, Toc...

Toc, Toc...Toc, Toc...

em outro som... Tic, Tac...Tic, Tac.., Tic, Tac...Tic, Tac..

Me rendo! Vou abrir!

Caminho lentamente, como quem não tem certeza da decisão que acabou de tomar. Quatro passos e hesito. Quem será que está do outro lado? Como posso me certificar da decisão que estou tomando? Será seguro? Mais uns dois passos apenas. Pode ser definitivo entre ver quem está atrás da porta ou viver na suspeita eterna. Será que é grande? Pequeno? Alto? Baixo? Jovem? Velho?

Dois passos. O limiar entre a segurança do que já conheço, em meu mundo medroso, e a insegurança da novidade que bate à minha porta. Hora de decidir. Posso me arrepender depois. Aliás, posso me arrepender sempre. Não tenho como fugir da possibilidade do arrependimento. Afinal, a possibilidade do acerto sempre esconde a certeza do erro.

Não tenho como descobrir sem colocar a mão neste trinco arredondado, reluzente de bronze, com uma abertura sob ele, através da qual outro pedaço de metal é engolido, e, fazendo uma volta completa, desdobra a barreira permitindo a possibilidade.

A barreira que me mantinha seguro agora desliza suavemente à minha esquerda, conduzida por minha insegura mão, como uma dançarina é levada pelas mãos de seu parceiro, inseguro, mas ainda assim, condutor. Confiada à decisão deste companheiro, a dançarina de madeira cumpre bem o seu papel, desvela o oculto e, impassível, aguarda nova condução.

II

O rápido clarão contraí os círculos que me permitem ver. Flashes de um branco reluzente dão encanto ao meu assombro. Uma silhueta alta se desenha à minha frente. Só vejo sombra. Não se move.

As pupilas lentamente moldam-se ao tamanho que me permita ver com a clareza de quem enxerga. Está de costas. Cabelos grisalhos sob o ombro. Suaves sinais de calvice enfeitam os brancos que me lembram terrenos com neve. Eu gosto da neve.

As roupas são antigas. Vintage, eu diria. Suspensórios seguram o jeans surrado que se estende sobre uma botina marrom, utiliza há muito, a julgar por sua aparência. O tronco está coberto por uma blusa de flanela, xadrez, com tons de vermelho e um verde oliva. O seu rosto...quero ver seu rosto.

- Olá! Digo, já não mais irritado, mas incomodado com o não reconhecimento daquele senhor.

- Olá! Me responde em voz firme, no equilíbrio entre a rouquidão e o grito. Uma voz áspera, mas que transmite segurança.

- Pois não? - pergunto ao levantar a sobrancelha direita, como quem requisita o direito de não ser incomodado. – O que desejas?

Ele vira-se, com o rosto voltado para o chão, como se admirasse o movimento dos próprios pés, girando 180º.

Seu rosto possui uma comprida barba grisalha, bem feita, como quem cuida da própria aparência. Então suas roupas não são descuidadas, concluo!

Após completar sua contemplação do giro de seus pés, consigo ver seu rosto. Nariz largo, que dão completude à barba grisalha. Olhos bem vivos, apesar de trazerem as marcas de expressão. Sobrancelhas largas e também grisalhas. A cor dos seus olhos, um azul acinzentado. Talvez a claridade interfira nesta definição. Mas eles transmitem uma sensação de ternura, com uma segurança que parece vim de uma certeza de que tudo acaba dando certo.

Que bom sentir esta paz, não é?! Não sei dizer, porque ao invés de sentir o que os seus olhos sugeriam, me senti incomodado. A paz e a segurança que aqueles olhos sugeriam despertavam em mim a dúvida, afinal, eu não me sinto tão seguro assim.

Este senhor me incomoda demais...começo a me arrepender de ter aberto esta porta. Talvez eu possa ainda fechá-la e pronto, continuar minha rotina. Afinal, já vi quem ele é. Pronto.

Mas agora acho que não sou eu que comando a bailarina de madeira, parece que ela pesa sob minha mão. Talvez ela esteja, agora, sustentando minha imobilidade. Ela, neste momento, conduz a dança.

- Oi! – movimentou-se a longa barba. – Sou Carlos, vim te ver.

- Me ver? – Respondi no impulso. - Nem te conheço?! Pelo menos, não que me lembre. Afinal, memória não é meu forte.

- Sim! – E já foi caminhando em minha direção, como se eu o tivesse convidado para entrar. – Eu não falei nada sobre você me conhecer ou ter convidado. Você perguntou o que eu desejava. Então, estou dizendo: vim te ver!

E parou já na sala da minha casa. Olhava para todos os lados, como se estivesse fazendo o reconhecimento do local. As mãos sobre o peito, com os polegares sustentando o suspensório.

Eu, estava ainda com a mão sob o trinco da porta, meio atônito com todo este acontecimento. Não acreditei no que acabei de vivenciar. Não acreditei na resposta ousada e atrevida que acabei de ouvir. Só podia ser brincadeira. O desconhecido que há dois minutos estava batendo em minha porta, agora é um conhecido – Carlos – e está na sala da minha casa, olhando toda ela como se fosse um arquiteto que iria reformar tudo o que via.

Como num reflexo, virei-me para dentro. Deslizei a dançarina de cedro.

III

Como agir?

Tenho um senhor na sala da minha casa, maior do que eu, com características que me convenceriam que ele é o Noel. Mas acreditar que seja ele talvez me pareça uma loucura ainda maior.

Ele olha curiosamente para todos os lados da minha casa, não sei o que devo fazer.

- O senhor quer um café? – arrisco.

- Sim obrigado, você sempre faz isso, né... – me respondeu em um sorriso meio irônico.

- Isso o quê? – pergunto indignado.

- Oferece café!

Me reservei o direito de ficar em silêncio. Fui à cozinha, me senti segurando estando ali, mexendo no que é meu, fazendo o que sempre faço.

Parei! Extasiado. Aquela sensação de que caiu a ficha. Psicólogos chamam isto de insgiht.

Ele tem razão – falei em sussurro. Me sentia como se batesse a cabeça em um poste.

Continuei preparando o café, enquanto o senhor, já sentando no sofá, alisava a própria barba e admirava sua botina surrada, desgastada.

Me recusei a servi-lhe o café. Coloquei tudo sobre a mesa de centro, na sala de estar. Sentei-me ao seu lado, na poltrona. Eu estava encabulado. Aquele senhor parecia me conhecer.

Não é comum que eu me sinta acuado em minha própria casa. Costume estar com as defesas sempre elevadas. Sempre tenho respostas pensadas. Não engulo desconfortos. Palavras que me desagradam voltam a quem as disse com a mesma precisão, prevista por Newton, em seus postulados.

Mas aquele homem. Ele conseguiu me acertar sem muito trabalho. Eu queria manda-lo embora, mas era intrigante tê-lo ali. Eu sou medroso, mas certos desafios me atraem. Um destes, por exemplo.

Quero romper o silêncio. Ele sorve o café, mas parece me ignorar. Uma expressão de quem está bem à vontade. Não parece ser visita.

- Porquê não muda esta casa? – indicam as barbas tremulantes.

- Qual problema com ela? – pergunto, agora como se fôssemos íntimos.

Me questiono porquê não lhe devolvi uma resposta grosseira, do tipo – não é da sua conta!

- Você precisa mesmo de tudo isso aqui? Tem coisa aqui mais velha do que minhas botinas. – comentou como se soubesse que o fato de suas botinas serem bem velhas me chamou bastante a atenção.

Fiquei refletindo e olhai rapidamente em volta, buscando algo antigo sobre o qual eu pudesse justificar a presença. Mas não me demorei, eu precisava dar uma resposta a este senhor intransigente.

- Suas botinas são velhas. Porque não as troca? – perguntei pra ganhar tempo. Provavelmente eu não quero ouvir sua resposta. Vou ouvir meus próprios pensamentos enquanto ele responde à minha pergunta.

- Porque não são velhas. São apenas desgastadas. E elas sofrem o desgaste por causa do meu intenso movimento. Não consigo estar parado. Estou sempre andando. Até quando pauso, estou seguindo. As botinas são boas companheiras. Elas aguentam firme meu movimento. Diferente de algumas pessoas...

Retornei dos meus pensamentos nesta última frase, “diferente de algumas pessoas...”. Me pareceu uma indireta. Mas eu só ouvi isto, sobre o quê ele se referia?

- Então, eu não troco a mobília da casa porque já estou acostumado com ela. Até quero mudá-la as vezes, mas eles foram parar aí por algum motivo. Eu devo gostar delas, afinal.

- Hum.

- É, talvez algumas coisas, realmente, eu quisesse mudar. Mas não tenho tempo para isso. Não agora.

- Previsível... – resmungou o barbudo.

Agora ele me ofendeu. De todos os adjetivos, ser previsível é o que menos me agrada. Acredito na imprevisibilidade humana. Me desgosta que consigam prever minhas atitudes. Parece que estou engessado no que sempre fui. Sinto como se repetisse minhas ações. Isto me faz pensar que não mudei, que não cresci.

- O quê? – perguntei ressentido.

- Você! Muito previsível, justificar sua imobilidade como falta de tempo.

- Mas é verdade! – me defendi sem pensar. Você pensa que tenho tempo sobrando?! Tenho muitas coisas para fazer. Aliás, coisas que eu deveria estar fazendo agora, enquanto estou aqui.

- E porquê não está fazendo?

- Han, hum... porquê você chegou. E aí, tive que parar para lhe atender.

- Teve?

- É, tive. Afinal, quando batem à nossa porta, devemos abrir, não é isso!?

- É?!

Fiquei irritado. Mas não soube responder. Tropecei na dúvida, se o que eu tinha para fazer era realmente primordial, porque eu parei?

IV

O velho levantou-se, como se tivesse alcançado seu objetivo. Colocou sobre a mesa a sua xícara e aproximou-se de uma das paredes da minha sala, na qual ficam expostos quadros de momentos importantes que vive, como conclusões de curso, viagens, momentos ímpares com amigos.

Concluí, devagar, sorvendo o restante do café em minha xícara. E agora, o que será que este homem vai perguntar. Já estou cansando de sua presença aqui. Ele me incomoda e me faz pensar muito.

Sinto como se a sua presença movimentasse em mim coisas que eu consegui deixar paradas por muito tempo. Talvez eu goste mais destes pensamentos parados mesmo.

- São quadros e porta-retratos que vou colecionando ao longo da vida – me antecipei antes que me fizesse alguma pergunta desconcertante.

- Eu sei – me respondeu com um ar de soberba.

Senti-me um tolo, mais uma vez.

- É? Foi tão previsível assim? – perguntei desejando retomar a razão neste diálogo.

Não gosto muito de perder a razão.

- Sim. Você não é o único que faz isto... – respondeu reticente. Como quem deseja que eu interaja sobre o assunto.

Eu quis não interagir, ficar calado talvez fosse o imprevisível naquele momento. Eu poderia retomar a ordem sobre a conversa e finalmente estaria à vontade novamente.

- Não é difícil as pessoas guardarem lembranças ao alcance dos olhos. – completou Carlos. – ela precisam eleger ícones e signos para justificar sua própria existência. É como se não confiassem em sua própria memória, ou não bastasse os endereços afetivos que cada experiência cria nelas. O medo do esquecimento. Ele é um dos responsáveis por paredes como essa sua. Em todos estes momentos você foi feliz?

- Sim, er...acredito que sim. – A pergunta me deixou incerto. As imagens memoravam momentos em que fui feliz. Mas em algumas delas eu realmente pensaria se fui, de todo feliz. Sofri em alguns momentos daqueles. Outros até, nem fui tão feliz, mas precisava mostrar a quem o visse que estive feliz. Algumas fotografias me traziam saudade, talvez não tê-las ali fosse até melhor. Posso até ter sido feliz, mas elas não me denotam tanta felicidade.

- Mas porquê a pergunta? As imagens não parecem claras. – indaguei.

- Não. Você não consegue ser muito claro. Nem nas respostas, nem nas memórias. – retrucou o senhor sábio das montanhas invasor de casas.

- Ai não?... – soltei levianamente.

- Não. As imagens me parecem mostrar uma ideia de você. Vejo alguém esculpido pelos quadros e porta-retratos desta parede. Mas me pergunto o que ilustraria os espaços entre eles. Qual cor, de repente, cairia melhor na parede. Pois para mim, talvez interessasse mais a cor da parede do que os quadros sobre ela.

- Não estou entendendo onde você quer chegar...quer mais café? – eu precisava que ele fosse mais claro.

- É que cada momento deste, esconde outros tantos. Você elegeu alguns momentos para registrar. Bem previsível, como eu já disse. Você não é o único. Mas há algo que interliga cada momento desse. Os intervalos. Nos intervalos não registrados. Há muito a ser mostrado neles. Eu queria vê-los.

- E como eu conseguiria registrar minha vida inteira em uma parede? – perguntei desconfiado.

- Não tendo os quadros - me respondeu prontamente. Virou-se a 90ª, conseguindo voltar seu rosto pra mim. E disparou:

- Expor estes quadros como uma parede de memórias, pode ser a criação mais bonita que você pensa ter sido capaz de fazer. Mas ela te define. Ao passo que você elege os momentos em que você aparece feliz, escondem os intervalos que realmente diriam se você foi feliz. Não são os momentos alegres que conferem a você o status de uma pessoa feliz. A felicidade está nos intervalos destes momentos alegres e tristes.

- Não estou entendendo aonde você quer chegar. – falei, apreensivo.

- Acho que já cheguei. – sorriu lacônico.

Fiz uma cara de quem não compreendeu nada do que estava acontecendo. Acho que a samambaia do jardim lá de fora conseguia ser mais expressiva que eu, nesta hora.

Ele virou-se completamente, deu uns passos em minha direção. Pegou a xícara e o pires sob minha mão. Juntou à sua xícara e pires sobre a mesa de centro. Levou-os à cozinha, abriu a torneira e começou a lavá-los.

- Após ter lavado estas xícaras, o que você faria para registrar que tomamos este café?

Bateria uma foto com você! Não registraria. Faria outro café. Usaria as xícaras só para bater a foto. Pensei numa velocidade quase de 1 pensamento por milésimo de segundo.

- Registraria a garrafa de café. – respondi como se todos os outros pensamentos fossem realmente indignos de serem pronunciados e, somente este, fizesse sentido. Mas eu ainda desconfiava de que este devesse ter sido falado.

- Isso. Você mais uma vez elegeria a garrafa de café como signo da nossa conversa. Quem a visse pendurada em tua parede, pensaria que você foi feliz tomando um café. Mas não saberia o que você sentiu ao fazê-lo. O que te motivou a fazer este café; com quem você o tomou. Qual o teor das conversas. Os intervalos antes, durante e pós garrafa de café. Estes definiram o encontro. Mas você resumiu à garrafa.

Continuei, com a expressão de samambaia. A planta, ganharia o troféu expressão do ano, diante da minha cara impassível e desconcertada.

- Você está dizendo que as coisas às quais dou sentido para minha vida não são suficientes para ilustrar que sou feliz. É isso? – perguntei na tentativa desesperada de me sentir novamente dentro do assunto.

- Foi isso que você entendeu? – devolveu-me a barba grisalha que lava xícaras.

- Foi e não foi. Eu, sinceramente, já estou incomodado com suas questões filosóficas. Você chega na minha casa. Entra sem que eu te convide. Mas faz parar a minha rotina. Olha minha casa, questiona minha organização de vida, faz perguntas que não sei responder; ou não quero; toma meu café, e ainda me deixa sem respostas claras. – levantei-me falando alto, enquanto me aproximava dos meus quadros memoráveis na parede.

A barba que fazia perguntas difíceis, agora tremia em risadas cheias de certezas. O que me deixava mais irritado.

- Acho que já posso ir embora. – disse uma voz vinda da minha cozinha.

- Ir embora? – perguntei com sarcasmo. – Você agora vai embora?

- É sim. Acho que você tem muita coisa para fazer. Não quero mais te atrapalhar. – falou, oscilando entre a certeza e a ironia.

- Então quer dizer que você vem com essa aparência de papai noel – criei coragem pra dizer, acho que pela irritação – toma café comigo e vai embora com a sensação de dever cumprido. Tudo isto porque não quer me incomodar.

- Então é assim que você me vê? – perguntou surpreso.

- Como é assim que te vejo? – perguntei intrigado.

- É que as pessoas me vêem como preferem ver. Não sou fruto da imaginação delas, mas respeito suas condições. Qual nome você me ouviu dizer, ao me apresentar? – perguntou a mim como se fosse comum eu ouvir nomes que não são os nomes reais das pessoas.

- Carlos, foi isso que você disse, não que eu ouvi que você disse. Embora, foi isso que eu ouvi. Quis dizer, que não foi só eu ouvir, foi o que você disse... você está me deixando confuso.

O velho respondeu, após um sorriso agora sereno:

- É sempre assim. Me dão a aparência que mais lhe agrada. Parece que assim me controlam. Me dão a identidade que mais lhe seja confortável, assim eu não assusto tanto. E o nome? Sempre terá uma das iniciais... C, H, R, O, N, S... já fui Carlos, Hamiltons, Rodrigo, Onorato, Nelson, Sávio...isso é tão previsível. – enquanto falava, arrumou um vaso torto sobre a mesa de jantar. E caminhou em direção à porta.

- Aonde você pensa que vai? – falei, já com voz embargada. Aquele homem não podia sair sem me dar mais algumas respostas. Uma lágrima já ensaiava descer pelo rosto.

Ele conduziu a dançarina de cedro, tomando-a pela sua mão de bronze. Deslizou-a com mais segurança do que o fiz há alguns instantes. A dançarina parecia dançar com mais precisão.

- Ele a conduz melhor que eu. – pensei em devaneio.

- Eu não tenho respostas para te dar. Só abro condições para as perguntas que precisam ser feitas. Talvez em outro café, você me dê as respostas que precisa ouvir. – falou, com sua voz ficando mais distante, encerrando-se com um “clamp”, da dançarina, retomando sua posição inicial.

Eu, estou novamente parado no meio da sala. Parece que vou ouvir novamente os passos na soleira enquanto alguém bate na porta.

Mas isso já aconteceu?

Isso aconteceu, realmente?

Há uma garrafa de café sobre a mesa de centro.