MEU PÉ ESQUERDO

Não tem jeito; toda vez que utilizo um calçado novo é o mesmo drama: meu pé esquerdo dá “sinal de vida”.

No dia a dia, utilizando calçados já amaciados, é como se tudo fosse normal. Calço-os, saio para o trabalho ou lazer e nada sinto. Os meus pés se encaixam perfeitamente nos sapatos e eles se moldam com naturalidade aos meus pés, sem quaisquer desconfortos.

Que bom se fosse sempre assim. Que maravilha seria se os calçados já viessem sob- medida, considerando eventuais diferenças de volumes e fossem fornecidos já amaciados, prontos para calçar, proteger e ornamentar os pés, sem a necessidade de tanto sofrimento.

Infelizmente, apesar do prazer e da necessidade de adquirir e vestir peças novas, não é isso que acontece. Ao estrear os novos calçados, de início até dá a impressão de que tudo vai ser diferente. Mas bastam alguns minutos e lá vem o desconforto.

Acontece que, não sei por que cargas d’água, meu pé esquerdo é mais volumoso que o direito. E é aí que começa todo o martírio. O desconforto gerado pelos novos envoltórios é inegável e irresistível, permanecendo até que me seja possível descalçar quando então posso suspirar aliviada.

A diferença e a sensação de alívio ao retirar os calçados são indescritíveis, não se podendo entender como foi possível submeter meus lindos e delicados pezinhos a tamanho sofrimento. Sim, lindos e delicados, porque é assim que eu os vejo cotidianamente. Percepção que às vezes coloco em xeque sempre que me submeto ao uso de novos exemplares. Nessas ocasiões não raro me pego a reparar com olhar de desconfiança, como que pretendendo desacreditar sutil beleza e perfeição. Afinal eles são meus cúmplices em tudo o que faço, levando-me, suportando-me e dando-me incondicional segurança. São os meus pés, com a estrutura e aparência que têm, que me levam para cima, para baixo, para os lados, para frente e, às vezes para trás. Dão-me total liberdade para seguir por onde e para onde eu quero, embora estejam sempre me sugerindo ir avante.

O grande e inexorável problema são os calçados novos. Ainda bem que um dia eles não serão mais novos, cumprirão primorosamente as funções que deles eu espero e passarão despercebidos, por mim e por todos.

Rafael Arcângelo
Enviado por Rafael Arcângelo em 16/10/2014
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