Clarice Lispector me liberta

Eu não teria outro título para esta crônica, o poder de Clarice em mim é transformador, sua escrita não consigo explicar, muito menos declamar. As palavras secam, os olhos se enchem de lágrimas. Eu perco as forças. Nesta noite eu perdi o sono, perder o sono às vezes é bom, liberta. A noite revela segredos, ensina sobre a vida, reflete e faz refletir. Nesta minha insônia estranha, deparo-me com um livro de Clarice que comprei há tempos em uma bienal, o livro é de crônicas e eu estava chorando lendo todas elas, até que de repente leio a primeira crônica, ou melhor, o primeiro contato que tive com a escrita de Clarice. Tinha uma professora no ensino médio (aquelas antigas que ainda ensinam que português não se decora se entende), ela passou para a classe, um texto de uma mulher que me era desconhecida para interpretar. Eu vinha de cabo frio, minha ocupação mental era política, era igreja, quando li pela primeira vez “as três experiências” da tal escrito desconhecida, senti muita estranheza e parei no tempo, eu não conseguia me mover existia algo além do evangelho que sempre ouvia, que consegui me tocar, e profundamente. Lembro-me que uma lágrima caía dos meus olhos, acho que foi à partir daquele momento que comecei a me interessar por língua portuguesa e literatura e mais, pela mudança. Vicie-me em Clarice, recitava-a, olhava para suas fotos e eu a revivia a cada leitura que fazia. Descobri uma hermética, uma tradicional, uma mulher a frente do seu tempo, outra introspectiva. Descobri a vida.

De Clarice Lispector passei a ler outros, mas nenhum deles teve ou tem o poder de me calar a boca e me arrancar reflexões e medos. Eu que só compunha músicas desde doze anos, comecei a escrever, Clarice me libertava, me deixava com vontade de dizer o que eu sentia, o delicado da minha vida, o gosto da comida e mais. Como uma simples mulher foi tão profunda na questão da introspecção humana? Clarice não era palavra, era vida. Suspiro. Era o mar. Toda vez que leio seus textos tenho um desejo imenso de mudar, Clarice me faz isso, entender que preciso praticar o meu oficio, e este é escrever porque também não sei estudar, na verdade tenho preguiça.

Ainda sem sono ouço o silêncio da madrugado, mas ele não seria nada sem Lispector e sua incompreensível análise humana. O sentimento que tenho até agora era de tristeza, agora tenho me pegado assim, tantos dilemas, tantas coisas. Minha vontade de ser as pessoas me mata, de querer ter o que as pessoas tem me consomem, até que leio de Clarice “ e se eu fosse eu ? “ a questão é, ser eu seria bom? Seria simplesmente ser eu. E ai está meu ponto de partida, minha libertação. A necessidade, simplesmente a necessidade que tinha era a de ser eu na minha vida. Clarice me liberta, porque ser eu é a libertação que preciso para já.

Arthur Montenegro
Enviado por Arthur Montenegro em 21/10/2014
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