O primo Ulysses (um segredo de família)!

Não conheci o primo Ulysses, mas lembro que o seu nome era sussurrado pelos cantos em voz baixa pelos parentes, talvez por acharem que falar sobre o assunto seria impróprio ou que as crianças não devessem saber quem era o sujeito, ou até quem sabe, a coisa fosse algum tabu familiar... Não sei....Mas,aos poucos e juntando pequenos fragmentos apanhados aqui e ali, conheci um pouco mais da vida e da história daquele misterioso personagem, parente distante e oriundo de um obscuro ramo colateral do clã. Pois o primo Ulysses radicou-se pelas bandas de Bagé pouco antes da II Grande Guerra e contam que apareceu na cidade com uma pequena mala de mão, uma câmera fotográfica pendurada no pescoço, esposa e dois filhos pequenos, uma mão na frente e outra atrás... Era fotógrafo e segundo alguns parentes que o conheceram, um ótimo profissional do ramo da fotografia. Nunca descobri de onde veio aquele distante parente e porque escolheu a região da fronteira para se estabelecer e morar. Pode ser que tenha sido atraído pela pujança que a região oferecia naqueles tempos, época de muito dinheiro, de fortunas surgidas e desaparecidas da noite para o dia, de grandes fazendas e magnatas da pecuária. Pois o primo Ulysses estabeleceu-se por lá e abriu um pequeno estúdio de fotografias, um acanhado comércio de apenas uma porta e onde foi morar com a família. Profissional competente e homem que não se assustava com trabalho, não demorou muito á ser requisitado para fotografar grandes eventos por toda a região e alhures, expandindo aos poucos o seu negócio e fazendo o seu “pé de meia”. Como “dinheiro chama dinheiro”, depois de alguns anos o primo Ulysses tornou-se um próspero profissional e ampliou os seus horizontes. Foi aceito como sócio no esnobe Clube Comercial, filiou-se ao Clube dos Diretores Lojistas de Bagé, tornou-se maçom, envolveu-se na política local e passou a frequentar as reuniões do Rotary e do Lions local. Construiu uma imponente casa no centro da cidade e a pequena loja de fotografias foi fechada para dar lugar á um grande magazine, localizado em pleno centro comercial da Rainha da fronteira, pertinho da Prefeitura Municipal e com filiais que se espalharam pelos bairros de Bagé. Enfim, o primo Ulysses tornou-se um empresário e comerciante de sucesso, passando a relacionar-se com as “pessoas de bem” e a frequentador da “alta sociedade” bageense da época. É claro que a prosperidade do primo despertou desconfianças e fofocas sem fim... Os despeitados de sempre murmuravam a meia-voz pelas esquinas e cafés da cidade que “alguma coisa de errado tinha por ali”, mas talvez fosse apenas a tradicional dor de cotovelo dos rivais do comércio local, invejosos do sucesso daquele sujeito “sem eira nem beira” que tinha aparecido por ali de repente, não pertencia a nenhuma família tradicional e que agora despontava na cidade, sabia-se lá de onde tinha vindo... Dizia-se até que a sua fortuna teria origem em obscuras negociatas envolvendo contrabandistas de ambos os lados da fronteira e que mantinha amantes escondidas pelos arrabaldes de Bagé! O fato é que o primo prosperou e muito, apesar do falatório das comadres e compadres... As lojas estavam com os estoques completos, as vendas iam muito bem e tudo corria as mil maravilhas para o primo, que parecia não se importar com o falatório... Um belo dia, o primo Ulysses não apareceu para jantar, inquietando a família, acostumada a ter o pai e marido em casa no fim do expediente, homem regrado que era. As horas se passaram e nada do primo aparecer. O homem tinha sumido mesmo! A loja e as filiais estavam fechadas e os funcionários não puderam informar absolutamente nada sobre o paradeiro do patrão. O primo Ulysses tinha cumprido normalmente o seu expediente nos escritórios da empresa e fora embora sem dizer nada á ninguém. Não foi encontrado no Clube Comercial, nos cafés do centro e nem nas casas suspeitas da periferia de Bagé. Não estava nos Hospitais e Delegacias de Polícia e tampouco na residência dos amigos. Talvez tivesse viajado de repente, ido á Capital para alguma reunião de negócios ou de política, pois andavam falando que poderia até ser indicado para concorrer a vereador ou deputado no futuro, recomendado que fora pelo Intendente. O caso é que ninguém descobriu o paradeiro do primo Ulysses. No dia seguinte, quando os funcionários apareceram para trabalhar, encontraram as portas fechadas, que assim ficaram até lá pelas dez horas da manhã, quando o Delegado de Polícia local resolveu abri-las para ver se o homem não estava lá dentro. O ilustre comerciante podia estar ferido, ter sido assaltado ou coisa pior... O que se viu foi que as lojas estavam vazias! Tinha desaparecido tudo! Um mistério total e completo, que aos poucos foi sendo esclarecido graças á ajuda de alguns tardios notívagos que viram o comerciante durante a madrugada em silenciosa labuta nos fundos de uma das lojas: o primo Ulysses, no comando de uma frota de caminhões e aproveitando o silêncio e a escuridão da gélida madrugada fronteiriça, raspou o estoque das lojas e sumiu na noite, acompanhado da amante e deixando para trás o seu próspero negócio, família, amigos e enormes dívidas na praça. O acontecimento causou um grande escândalo na cidade, mas apesar da mobilização da polícia e dos credores, o primo nunca mais foi encontrado. Um outro parente me contou que o sujeito tinha mudado de nome e que seria um grande fazendeiro em algum lugar do centro-oeste, envolvido com política e políticos e com interesses em cassinos clandestinos no Brasil e em outros países da região. Não sei bem ao certo. O que sei é que o primo apareceu com o nome trocado alguns anos mais tarde em revista de circulação nacional, onde eram louvados os seus méritos de empreendedor na área da mega-pecuária brasileira e que se deslocava constantemente para as nossas capitais em seu jatinho particular para importantes eventos de negócios e encontros secretos e estratégicos com Ministros e políticos. Como isso tudo aconteceu á muito tempo, parece que os tais delitos prescreveram e o primo nunca foi responsabilizado pelo que aconteceu... Dizem que o primo já faleceu, mas que a família continua muito próspera e respeitada na região do cerrado, lá pelas bandas do Mato-Grosso do Sul. Em Bagé, parece que acharam melhor esquecer o assunto, mas as coisas também ficaram bem por lá. A esposa do primo Ulysses, aquela que foi abandonada, mudou-se para Porto Alegre e segundo contam, casou com um importante político gaúcho, que mais tarde...Bem! É melhor deixar assim... Estes assuntos parecem ser ainda uma espécie de segredo e continuam a ser comentados em voz baixa pelos cantos nas reuniões familiares, talvez para que se tornem com o tempo apenas lendas e nada mais... Pode ser que a história não tenha sido bem assim, pois o silêncio da ala mais velha do clã continua e é quebrado apenas em situações esporádicas e em doses homeopáticas. Uma das tias que o conheceu, me contou que o primo, depois de longos anos, reapareceu em Bagé e finalmente liquidou as suas dívidas... Será?