MINHA MÃE, A GENEROSA DOUTORA DOS ANIMAIS

O médico é um ser vocacionado que fica entre a bondade máxima do homem e a pureza indiscutível dos anjos. É um iluminado no cumprimento de seus afazeres, no restabelecimento cuidadoso do enfermo, ou então no triste dever de assistir o moribundo no desfecho final, e depois consolar seus amigos e familiares.

Minha mãe em medicina não era de diploma formada, mas suas mãos de fada, mágicas até, e porque não, santas também, nos curavam das feridas fruto de nossas inúmeras peraltices. Pela sua doçura, e delicadeza no trato, a dor se tornava insignificante.

De minha mãe eu tenho na lembrança a generosidade e o amor que ela tinha pelos animais. Na mão dela os animais feridos se deliciavam anestesiados pelo seu desvelo.

Um dia ela salvou um pássaro preto, que já estava abocanhado por um felino. Agonizante, quase depenado, com uma das pernas quebradas, parecia implorar ajuda. Minha mãe, docilmente afagou em suas mãos dando-lhe calor e agua para seu bico entreaberto. Sua perna dilacerada foi recomposta com dois palitos de fósforo como tala, e um esparadrapo para dar firmeza e a condição de cura.

Este pássaro, por muito tempo, foi o enlevo de minha mãe, pois o farto e bom prato tornou-o por demais pesado para que fosse suportado pelas suas asas nas alturas. Preferiu, desta forma, o conversar tranquilo com minha mãe do que o voar perigoso neste mundo cruel de seus predadores.

Paciência é o que não faltava para ela.

Um dia o gatinho nasceu troncho, e o conselho geral era o sacrifício da matança.

- Este gato vai morrer a mingua! Diziam para minha mãe. Mas ela, com a generosidade que cabia em sua alma benevolente, deu uma oportunidade de vida aquele infeliz bichano. Cuidava da mamadeira feita de vidro de remédio e como chupeta, o conta-gotas. Três vezes ao dia fazia fisioterapia no animal.

E ela conseguiu o que parecia impossível.

Gato não tem o dom da fala para mostrar gratidão ao que minha mãe fez por ele, além do que este bichano já está morto. Morreu de morte natural correndo atrás dos ratos, e subindo em árvores tentando pegar os passarinhos.

Minha mãe no quintal tinha umas galinhas, e um galo safadão sarado, possuidor de uma espora enorme, para dar assistência sexual a elas. Eu acho, que pelo ato cruel que praticou um dia, este galo deveria ser um tarado enrustido, ou então já não estava gostando de se relacionar mais com as mesmas galinhas. Certa feita alguém deixou uma franguinha para minha mãe cuidar. Ela foi, inocentemente, solta no quintal junto às outras galináceas. Quando o senhor galo descobriu aquela coisinha, cheirando ainda a ovo, solta no meio de outras galinhas, não teve por onde, perdeu o controle, e feito um doido correu atrás dela. Desvirginou impiedosamente a pobre franguinha, que ficou estatelada no chão. O maldito galo, com suas enormes esporas e de peso avantajado acabou dilacerando toda a pele do dorso da coitadinha. Depenou-a de alto a baixo sem misericórdia.

Lá vai então minha mãe em socorro da pobre franguinha.

As costelas estavam à amostra.

- Termine de matar e vamos fazer uma canja! Alguém sugeriu.

Mas minha mãe viu ainda vida naquela coitada.

Prendeu os pés da franguinha no meio de suas pernas, passou mercúrio e com uma agulha começou o processo de costurar a pele despenada solta.

A cada agulhada e franga cacarejava croc, croc.

Feia, sem as penas no lombo, se tornou senhora do terreiro.

Depois de muitos ovos esta franguinha um dia transformou-se numa gostosa canja.

Muitas, e muitas histórias teria eu para contar desta generosa e linda mulher!

A suave presença de minha mãe com sua benevolência, sua delicadeza, seu altruísmo, seu desapego e sua ternura me faz muita falta hoje.

Os animais feridos aqui da terra tem saudade dela; Eu tenho certeza que São Francisco a levou para cuidar dos animais lá no céu.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 02/11/2014
Código do texto: T5020563
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