EU SOU DAQUELE BOM TEMPO

Lêda Torre

Como o tempo passa tão depressa ou passamos pelo tempo sem que nos apercebamos do que acontece de fato ao nosso redor. Pois bem, eu sou do tempo que nas famílias se tomava a bênção aos mais velhos, principalmente aos pais, com o sonoro “bença pai, bença mãe, bença vó, bença vô, bença tio, bença tia, bença madrinha, bença padrinho...” e a vida seguia, se dando bênção a todos aqueles que eram mais velhos e ou os parentes que ali chegavam.

Eu sou do tempo do beiju de tapioca com azeite de coco babaçu e do café torrado com rapadura da cana de açúcar e triturado no moedor de café; eu sou do tempo que se merendava banana frita no espetinho e açúcar; farofa de feijão verde ou de fava com todo tempero e azeite de coco; sou do tempo do pão com ovo; do guaraná Jesus, da grapette, do guaraná crush, da jeneve, do cuscuz de arroz de xerém com leite; do arroz com abóbora e tripa frita no azeite de coco; do café com macaxeira; do inhame om carne de charque frita pra tomar com café; do arroz baião-de-dois, do arroz Maria Isabel, do arroz com toucinho; da panelada; do leite de vaca com abóbora; do grolado; do frito de frango pra viagem...

Eita tempo bom! Pois eu sou do tempo que não se misturava certas comidas, podíamos morrer. Não se podia misturar manga com leite, mas se comia “mangusta”; sou do tempo que a gurizada brincava muito de roda, toda noite, brincaria até a noite toda, não fosse nossa mãe nos chamar que já era a hora de dormir.

Eu sou do tempo que não havia água encanada nas nossas torneiras; a água era de ser buscado no rio Itapecuru, que hoje morre aos poucos; tinha que se encher as ancoretas e trazer rua acima, no lombo de um jumentinho emprestado do amigo; e teria de encher todas as vasilhas da casa e do vizinho; sou do tempo que se “pilava” arroz no velho pilão de madeira, na boa, sem reclamar de nada; até fazia brincadeira, como pilar dançando...

Eu sou do tempo que nós adolescentes líamos as revistas da época, como a Sétimo Céu, a Capricho, a grande Hotel, entre tantas outras, com lindas histórias de amor, românticas, muito românticas; só até a hora que nossa mãe ao se aproximar do nosso quarto, a gente as colocava debaixo do travesseiro, naquela sensação horrível de estar fazendo algo proibido, com a culpa de que algo era pecado e grande!

Eu sou do tempo em que tais histórias nos fazia sonhar e suspirar à espera de um dia chegar pra nós, um príncipe encantado, onde viveríamos também uma tórrida história de amor e sermos felizes para sempre como nos contos de fada. Sonhava também em fazer uma faculdade e um com uma boa profissão ter uma voa confortável, ser um bom profissional.

Lembro bem do meu tempo em que só usei sapato alto com 18 anos, um batom idem, um namorado também. Eu ainda usei brilhantina no cabelo, pouco, mas usei; saia rodada, tipo “melindrosa” também; roupas de babado era o forte; vestido de “rendão”, era fino e chique. Dormia de “chambre” de chitinha, era tão macio. Usava atraca, chinelo havaiana. Dormir na casa de colegas, nem pensar; casar virgem era a lei, e sexo somente depois do casamento, senão uma moça falada na cidade seria horrível pra família. Mulher separada era ”sendeira”, só era quem não prestava.

Sou do tempo em que menino não podia brincar com meninas, nem criança não podia dar palpites em conversa de gente grande. Desobedecer aos mais velhos, era falta de vergonha e de respeito para com eles. Tudo era proibido, era pecado mortal.

Usar biquíni, nem pensar! Isso só pra moça fácil; tinha de ser aquele maiô “engana mamãe”; namorar, só na porta de casa, em escurinho, jamais! Sair somente com o namorado, só com uma das irmãs menores; mesmo assim, dancei ainda agarradinho, como é bom! Ainda dancei twist, rock n’roll, muitas músicas românticas, como da Jovem guarda MPB, da Bossa Nova, até conheci uma única bebida na minha vida, a tal “cuba libre”, ou seja, “coca cola com romantilla”; mas só experimentava uns goles de colegas; mais nada. Fumar?? Nunca!!!

A promessa era de que quem fosse visto lá em casa fumando, podia se preparar pra “engolir o cigarro!”; como o medo de engolir um, eu jamais fumei na vida. Até que agradeço a Deus por ter ouvido isso de minha mãe.

Bom, confesso que nunca vi tantas regras, tantos limites, tantas normas! Mas que valeu, lá isso valeu muito, pois até hoje estas lições nos fortaleceram para superarmos a todas as tentações do mundo quando adolescentes e jovens, principalmente quando todos saímos de casa um dia para crescer nos estudos e na profissão, era essa a lei do tempo.

E o que é melhor, quem viveu toda essa cultura, nunca morreu disso, estamos aí todos fortes sim senhor, inteiros e felizes sim. Disciplina e educação nunca foi sobra, nunca é demais; acho até que se muitos pais ainda colocasse certos limites em seus filhos, muitas coisas ruins não estariam acontecendo.

_______São Luis, 08/11/2014______

Lêda Torre
Enviado por Lêda Torre em 10/11/2014
Reeditado em 23/06/2021
Código do texto: T5029400
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